30 de jan. de 2014

Onde o vento faz a volta e mais além - 8

Um réveillon inusitado
Boa parte da população de Serra Azul comparece ao réveillon da Camaçari. O acesso à fazenda fica lotado de carros e motos. Churrasco tem para todos (bebida não). E neste ano o forró foi incrementado com luzes estroboscópicas e fumacinha artificial, por obras e artes de Pedro e Diogo. José Barbeiro percorre o pátio cumprimentando os que chegam e me leva consigo; diz que vamos fazer uma ronda para ver se está tudo em ordem. Está. As pessoas ficam ao largo, mas aos poucos se aproximam, se entrosam, e mais um pouco algumas já estão dançando na varanda.


José Barbeiro tem por hábito e gosto, por ocasião da passagem de ano, exercitar sua verve e sua veia política, discursando um pouco antes da meia noite. Fui convidado a dizer algumas palavras, depois de outros e antes de José, que encerraria o falatório. Além da praxe de agradecer pelo bem que passou e desejar saúde e paz no ano que estava por chegar, falei da minha satisfação em estar ali, em conhecer aquelas pessoas simples e autênticas e conviver com elas - as que sabia o nome e as que não sabia, as da fazenda e as de Serra Azul. Eu fora tratado por todos com muita consideração e carinho. E carinho ninguém esquece. Disse que levaria deles  saudade e deixei com eles a promessa de voltar.


José discursou tão inflamado que temi pudesse ele enfartar ou sair voando pelo espaço, tal era o gestual que acompanhava a fala. Porém a técnica esqueceu de acender as luzes e o orador discursou no escuro.
À meia noite estouram dois singelos rojões. Olho para o alto. O céu está lindamente estrelado como só no sertão se pode ver!

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21 de jan. de 2014

Onde o vento faz a volta e mais além -7

Um gaúcho longe do chimarrão

Da parentela que foi chegando para o réveillon, o que mais me chamou a atenção foi o Galego. É casado com uma irmã de D. Laurita. Gaúcho de ascendência holandesa e tcheca, cabelo aloirado e roupas triviais, dança forró como ninguém, sempre conversador e enturmado. Em nada denuncia um gaúcho; em nada faz lembrar erva-mate, bomba e cuia.

Neguinho e Galego
É pecuarista em região próxima. Vindo de uma cultura mais sistemática e fechada, não teve dificuldades em adaptar-se à cultura deste Brasil grande e credita o fato ao temperamento cordial e alegre do povo brasileiro. Diz que esse jeito de ser do brasileiro só facilita o entrosamento de povos, o caldeamento de culturas. E isso é bom para o Brasil, diz Galego (perdoem não saber o nome).

Galego (sentado) e José Barbeiro
E vai por aí o nosso gaúcho. Está iniciando a inseminação artificial em seu rebanho e convenceu o José Barbeiro, um criador tradicional, a criar porcos enxertados de javali. Eu comi uma costela desse porco e é uma delícia, quase sem gordura. José já não quer outro porco.
Gaúcho dá outro exemplo: "Aqui não se ordenha sábado e domingo porque o Laticínio não recolhe o leite nesses dias. No sul de onde eu venho, usa-se o leite desses dias para fazer queijo. O que falta é informação".
Enquanto isso, em Redenção, é comum procurar queijo na padaria e não encontrar. Gaúcho acredita que é só questão de tempo e informação. Amém!

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20 de jan. de 2014

Onde o vento faz a volta e mais além - 6

Expedição ao milho verde
Último dia de 2013.  A manhã chegou envolta em névoa baixa. Francisquinho disse: “Névoa baixa é sol que racha”. E foi. Logo depois a névoa se dissipou e o sol veio rachando.
Iam matar uma novilha para a churrascada da passagem de ano. Não me apetecia o espetáculo e preferi ir com o José Barbeiro visitar o córrego e o tanque para piscicultura. Para tal calcei um par de galochas, gentilmente cedido pelo anfitrião. Quando voltamos a novilha já era descourada e havia outra missão em preparo: buscar milho verde para fazer pamonha e curau. Eu já havia ajudado a minha cunhada Neuza a fazer o doce de leite, mas apenas pegando a colher de pau e mexendo o leite no tacho. Nem mais podia fazer. Eu queria participar de alguma coisa, de algum procedimento na fazenda. Se por mais não fosse, ao menos para ter uma história pra contar. Quem ia cumprir a tarefa era a Juliana, acompanhada por um menino. Ninguém mais se dispunha? Tanta gente e Juliana vai quase sozinha?
Neguinho procurava voluntários. Apresentei-me. Em seguida também minhas duas sobrinhas, Gabriela e Daniela se dispuseram. O marido desta última, o Rafael, ia ao volante da F 1000, nosso pau-de-arara. Nem cogitava a necessidade de tanto aparato para ir ali, numa rocinha de milho… Vai ser moleza. Juliana ia na cabine, mas de última hora resolveu subir  à boleia. Melhor para mim.
E roda rolando na estrada. Perto da vila de Serra Azul bifurcamos noutra estrada, e mais além, noutra. Para quem, como eu, imaginava uma rocinha de milho ali adiante, já estava demasiado longe. Fui pensando no caso: em terras de pecuária, uma rocinha de milho e outros produtos corriqueiros é difícil e quase sempre longe. A pecuária extensiva também estava por trás do que veio a seguir: a primeira porteira. Gabriela desceu da boleia e abriu-a. Depois a segunda, Gabriela idem. Dali em diante compreendi a função do carona na cabine e passei a descer rapidamente para abrir porteiras e colchetes. E foram muitas porteiras e colchetes!
Já no sítio dos pais de Juliana, que estavam viajando, largamos o pau-de-arara e seguimos rumo ao milharal. Juliana no comando da expedição, a cavalo,  e eu atrás, brincando de cabo cerra-fila, cuidando da retaguarda da tropa, não vá um soldado se dispersar ou perder.
Próximo ao destino, a comandante apeou e amarrou o cavalo à sombra de um arbusto. Seguimos mais uns cinquenta metros a pé, embrenhamo-nos no milharal, onde preferi encher um saco com as espigas colhidas pelos outros. O sol rachava e rachava o meu entusiasmo! E eu não gostava de pamonha tanto assim! Mas restava o brio. Com as meninas, arrastei dois sacos de espigas até as proximidades do cavalo e sentei-me a descansar. Abelhas tiúbas (creio) entravam e saíam da fenda de um matacão chamuscado, o que indicava que elas refaziam a colmeia destruída anteriormente a fogo. Neguinho já me contara a história da expedição ao milho do ano anterior, quando foram atacados por um enxame de abelhas europa. Esconderam-se dentro do carro, mas os vidros não fechavam e o jeito foi sair correndo, para o lado que calhava, cada um por si e Deus por todos. Foi a salvação, pois as abelhas dividiram-se em perseguição aos fugitivos e, assim, não tiveram poder ofensivo suficiente para fazer vítimas. Afastei-me das tiúbas, apesar de parecerem pacíficas.
Quatro sacos de espigas. Juliana orientou a amarração dos sacos e o ajuste da carga ao cavalo. Iniciamos a volta. Mais à frente dois sacos foram ao chão, justamente aqueles que eu amarrara. Recomposta a carga, continuei na retaguarda da tropa, agora não só pela função de cerra-fila, mas a pedido do corpo. Próximo ao sítio, na estrada, deixei a soldado Gabi descansando sob uma árvore e segui no encalço do grupo. O cavalo e todos sumiram de repente. Segui pela estrada no intuito de descobrir a trilha de aceso ao sítio. Nada. Já pensava seguir até uma elevação da estrada para olhar o entorno, quando notei, à esquerda, a cúpula de um arvoredo conhecido: era o sítio. Que maçada! Logo eu, o cabo cerra-fila! Perdido! Desgarrado da tropa! Retornei, acessei a trilha e juntei-me aos companheiros, bem a tempo de beber água de coco providenciada por Juliana. Oh! delícia! A comandante ainda recolheu cocos verdes, abacates e ovos para levar á Camaçari.
Retornando, a maratona dos colchetes e porteiras! Por duas vezes abri colchetes e me fechei do outro lado. As meninas riam na boleia!
A esta altura os leitores já perceberam porque não apareceram voluntários para a expedição. E não só pelas abelhas europa do ano anterior.
Chegamos à Camaçari após o almoço. Não parei até que a carga estivesse na dispensa, eu mesmo carregando dois sacos no lombo.
Banhei-me e almocei. Estava moído. Prepararam-me uma rede à sombra do tamarindeiro. Deitei, procurando evitar uma réstia de sol no rosto. Desajeitei-me e fui ao chão, sob o  riso geral. Foi o último mico do dia.  

PS: A expedição não levou fotógrafo, por isso não há ilustrações.

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19 de jan. de 2014

Onde o vento faz a volta e mais além -5

A visagem Magnólia

A casa da fazenda tem apenas um banheiro, o que é plenamente  satisfatório para a família que ali vive. Porém em dias de festa como estes, com a chegada de mais parentela e convidados, o dito quarto de banho é pouco para a demanda. Na hora do banho, e também de outras necessidades, carece ficar à espreita, aguardando uma oportunidade. Antes que eu me adaptasse à circunstância e descobrisse um cantinho atrás do chiqueiro dos porcos, ficava, como os demais, de olho na porta do banheiro sempre que necessitava aliviar uma urgência sentida. Certa feita, ao anoitecer, vi a porta escancarada, entrei apressadamente, tranquei a porta e iniciei o alívio. Então me pareceu que havia alguém no box do chuveiro: eu via movimento de sombras como se alguém estivesse se enxugando ou vestindo a roupa. Olhei para cima, desconfiado que alguma mariposa esvoaçando em torno da lâmpada estivesse projetando aquelas sombras. Nada de insetos. Silêncio total. Mas havia alguém ali dentro. Que culpa tinha eu? A porta estava escancarada!
O jeito foi inclinar-me um pouco mais sobre o vaso e girar o corpo à esquerda, no  intuito de vedar à visão de outrem a imagem do instrumento em operação. Vá que fosse uma mulher ou criança!
Quem era eu não vi: abriu a porta do box, passou por trás de mim sem tossir nem mugir, destrancou a porta do banheiro e saiu, encostando-a em seguida.
Mais tarde, deitado na barraca, contei o acontecido à Rita; não sei se era homem ou mulher; criança não era – não seria tão discreta.

Eu e Neguinho, Francisquinho à esquerda
Pela manhã, à sombra do tamarindeiro, comentamos o caso. Não sei se era homem ou mulher, dizia eu, quando Neguinho atalhou, dizendo:
- Foi a visage.
- Como assim, a “visage”? Um fantasma?
- É moço. Muitas pessoas já viram, seu Zé também já viu. Era uma velha que morou na fazenda e morreu há mais de oitenta anos. Foi ao banheiro e estatelou-se no chão. Finou-se…
- E qual o nome da velha?
- Magnólia…
Neguinho é genro do José Barbeiro, eletricista, morador de Redenção e também trabalhador compulsivo. E nas horas vagas sempre alegre e divertido. Mas falou sério sobre a visagem.
- Com que então eu vim de longe a esta terra para ser assediado pela visagem da velha Magnólia? Mas rapaz!

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18 de jan. de 2014

Onde o vento faz a volta e mais além - 4

Breve história de José Barbeiro

A primeira impressão que tive foi a de um homem compulsivamente trabalhador. Mal chegado à fazenda, vi-o carregando uma braçada de folhas de palmeira para a cobertura que os filhos preparavam.

José é natural de Minas, mas foi criado em Natal, onde diz ter assentado praça no Exército Brasileiro, na década de 1960, exercendo o ofício de barbeiro. Fez curso de paraquedista, mas não o  concluiu, pois por três vezes o avião da Aeronáutica escangalhou. Também fez incursões pela Marinha… José fala muito desse passado militar, com entusiasmo e orgulho, conta histórias e lembra nomes de superiores e companheiros, até do seu n° de identificação, ensaia passos de ordem unida e bate continência; tudo em linguagem vivaz, apressada e escorregadia, que ao fim é difícil saber onde acaba a luz e começa o farol. O certo é que José foi e é um grande oficial barbeiro, a ponto de o ofício se incorporar ao nome.
Deu baixa do exército e voltou a Minas, de onde partiu para o interior do país. Chegou ao Pará, parou. Em Redenção. Montou salão de barbeiro e trabalhou, trabalhou. E casou. E no seu ofício conheceu os grandes do lugar.
Em demarcação de limites entre fazendas da região sobrou uma “cunha” de terra que não interessava aos donos, nem lhes fazia falta. Deram essa nesga de terra ao José Barbeiro.

José partiu para o seu “latifúndio” e começou a investir. Nessa região a terra já era muito valorizada e José vendeu-a por bom dinheiro, foi mais além, onde havia terras baratas, e comprou várias dezenas de alqueires, mais tarde acrescentados de outros tantos, e depois mais tantos… É a Camaçari de hoje.

- E tudo com o meu trabalho, diz José, orgulhoso. – Não é posse, não é invasão, não é grilo. Tudo comprado com papel passado e pago com o meu dinheiro, com o meu trabalho. E não quero sair daqui. Não quero Belém, não quero nenhuma capital. O meu lugar é aqui. Só quero poder me comunicar com qualquer lugar e a qualquer hora, quero a luz elétrica pra mecanizar a ordenha e aumentar a produção, quero...
Aleluia, José Barbeiro!

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17 de jan. de 2014

Onde o vento faz a volta e mais além - 3

Aventura na serra

Era sempre um dos primeiros a levantar, ainda no lusco-fusco da manhã. E sendo a fazenda produtora de gado e leite, minha primeira agenda na Camaçari foi ir ao curral apreciar a ordenha, a cargo do Veinho e do Neca, filhos do José Barbeiro. Depois do bom café da manhã, com cuscuz de milho e leite fresquinho, preparado ou orientado por D. Laurita, conheci outro personagem da fazenda – o Pedrinho – que andava a criar alvoroço entre as crianças no pátio, e segundo dizem, protegido de Juliana, a nora de Laurita, que entretanto não confirma a proteção ao sapinho. Mas dizem que o bichinho costuma agasalhar-se na cozinha e Juliana não se incomoda, até mesmo faz vistas grossas.

Pedrinho
Mas a aventura do dia já estava combinada desde o dia anterior: subir a serra que ladeia a Camaçari ao longo da estrada. Calcei um tênis e fui com os outros, adultos, jovens e crianças. Rita comigo. A serra não era grande nem alta, pouco mais que um outeiro, e pontilhada pelos matacões já nossos conhecidos. Essas pedras só ajudavam, serviam de degraus as menores e de patamares as maiores, onde sempre se podia descansar. Apesar do esforço, só via alegria e risos em quem subia. Andar no mato, subir e descer encostas, pode ser banal ao sertanejo, mas para nós, da cidade, é aventura. Talvez por esse gostinho exótico, teve gente que subiu “bufando que nem peba”, mas nem por isso descontente.

A Camaçari ao fundo
Degraus e patamares
Fui ao matacão mais alto e olhei em volta. Por trás havia outra serra, mais alta e mais difícil, onde brota a água que abastece a fazenda. Pretendíamos chegar até essa fonte, mas já não via disposição nos parceiros. Descemos, pois.
Ao descer, por um breve instante lembrei da leitura que fez a delícia da minha pré-adolescência: Expedição aos Martírios, literatura juvenil de Francisco Marins. Martírios é a lendária serra por onde teria passado o bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva – o Anhanguera –  nos sertões de Goiás. Em Martírios o ouro brotava do chão! Nesta serra que eu descia, o que brotava do chão eram as formigas de fogo, miudinhas, vermelhas e terríveis em suas ferroadas. Safei-me delas olhando atentamente onde pisava.

Fim da aventura
No almoço, galinha caipira e rijões de porco, preparados no tacho, como outrora. Eita, trem bão! E uma geladinha, que ninguém é de ferro.
A modorra da tarde, porque todas as tardes são modorrentas, principalmente para quem não tem obrigações a cumprir, foi quebrada por estrepitosa trovoada e chuva grossa. Parte do prolongamento da varanda construído no dia anterior, ruiu. O nosso acampamento também sofreu: quase desaba o plástico que o cobria e uma das barracas teve de ser desmontada. 
Mas chuva de verão é passageira e pouco depois o forró já sacudia na varanda.

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15 de jan. de 2014

Onde o vento faz a volta e mais além


Segunda etapa da viagem

Íamos passar o réveillon numa fazenda de amigos a 130 km de Redenção. Em estrada de barro. Nada menos de quatro horas de viagem na boleia de uma F 1000 – o nosso pau-de-arara. Acordamos cedo para reunir a tropa e ajeitar a bagagem: barracas, colchões infláveis, churrasqueira, carvão, um razoável estoque de cervejas e refrigerantes, gelo, caixas e mesa de som, um pequeno gerador a diesel, lanternas e muitas outras miudezas necessárias, além de roupas e utilidades de uso pessoal. Era tanta a bagagem e tão pouca  a F 1000, que mal pudemos nos acomodar; éramos mais de quinze, entre crianças e adultos, e ainda o Nick, um cachorrinho poodle. Rafael quis ficar na cidade arrastando a asa às moças.

Preparando a viagem
E roda rolando na estrada.
Primeira surpresa: paramos numa cancela com guarita e funcionário a cobrar pedágio. Estou acostumado a pedágios, mas aquele não era cobrado pelo governo ou empresa legalmente constituída e licitada para tal, mas por particulares, donos das terras pelas quais enveredava a estrada. Fizemos uma “vaquinha”, pagamos o leite e seguimos. Não obstante, a estrada, dali em diante, só piorava. Na boleia, alegria.

A festa na boleia
E a paisagem, cheia de buritis e vegetação variada e viçosa, foi dando lugar a pastos cercados, entremeados por campos aparentemente livres, ou desprovidos de cercas. Enquanto passávamos, tranquila ema desfilava no campo. Mais à frente, matacões de granito (?) afloravam da terra entre o verde da vegetação rasteira; de variados tamanhos e formas arredondadas, alguns semelhavam ovos de algum ser gigante e desconhecido. Dali em diante estes seres insólitos e inesperados para mim, e que pareciam vigiar a estrada e a quem nela se aventura, se tornaram uma constante na paisagem.
Sobranceiro à estrada, na encosta de um pequeno outeiro, um desses insólitos matacões de granito. Pousadas nele, duas corujas arregalam os olhos. E um par de araras, no cimo de um pau de árvore, nos vigiam em silêncio. E o nosso pau-de-arara parado na estrada. Mais um pedágio!, fantasio eu.

O registro da nossa passagem
Não era pedágio, nem estávamos escangalhados, não. Era para pichar  no matacão uma inscrição assinalando a passagem da nossa comitiva. Diogo e Pedro, que para tal traziam spray branco na bagagem, providenciaram a inscrição: PAPIMARARIO 2013. Pará, Piauí, Maranhão e Rio. Nossa comitiva tinha representantes de grande parte do Brasil.
Rita saiu da cabine e subiu na boleia, ajeitando-se ao meu lado e misturando os seus pés aos vinte e quatro que disputavam, uns por cima outros por baixo, meio metro quadrado de espaço. Mas a boleia era mais animada! 
E roda rolando novamente.
Eu sabia que íamos para um lugar que não tinha luz elétrica, por isso observava a rede ao longo da estrada; antes completa, ativa, agora só os postes apontavam para o alto – uma esperança para as gentes daqueles lugares. E para mim sinal que não demorávamos a chegar.Mas ainda demorava!
Uma construção abarracada à beira da estrada, encimada por uma placa de madeira rústica onde se lia, em letras abertas a fogo: Bar risca a faca. Propaganda ou advertência? Desejei parar e tomar uma cerveja geladinha, mas em face da informação da placa, era melhor não. E mais agora, que a vontade  de chegar estava estampada na cara de todos. Urgia chegar.  Mais além, um bando de urubus cercava uma carcaça bovina e um odor putrefato encheu o ar. A viagem estava ficando sinistra! Urgia chegar! O pó da estrada já fazia lama no canto dos meus olhos!

Urgia chegar
Finalmente a vila agrária de Serra Azul, com três ruas em cruz e duas ou três dezenas de construções.
Mais 2 km de estrada cada vez pior e o nosso pau-de-arara traspôs a porteira da fazenda Camaçari. Os homens da casa construíam um prolongamento da varanda, com lona e folhas de palmeira, para maior conforto dos convidados. Era hora do almoço: ensopado de galinha caipira.

Forró na varanda
Pela tarde montamos o nosso acampamento e ao anoitecer roncou o gerador a diesel. E os equipamentos eletrônicos soltaram o som. E o forró foi noite a dentro.


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12 de jan. de 2014

Onde o vento faz a volta e mais além

A primeira etapa da viagem

A partir do Santos Dumont, uma hora e vinte minutos de voo. Havia chovido forte em Brasília, aeroporto fechado, o avião circulou durante quinze minutos antes de aterrissar. Em consequência, todas as conexões atrasaram. Mais uma hora até Palmas, a cidade do pequi e das longas distâncias. Daí em diante tudo se complicou. Perdido o horário do ônibus, fomos aconselhados a seguir para Guaraí, às margens da Belém-Brasília, onde haveria mais opções e já minha velha conhecida. Haveria mais opções… se não fosse fim de ano, muita gente viajando. Todas as opções lotadas, passagens só no dia seguinte. Ou esperar a vam que sairia de Palmas às dezoito horas, com previsão de chegada às vinte e duas horas e o risco de já chegar lotada. E essa condução só nos levaria até  Conceição do Araguaia. Daí em diante eu contava com os parentes da minha Rita, que viriam de Redenção para nos resgatar. Ainda tentei uma lotada de táxi até Conceição por quase o dobro do preço das passagens; quando a lotada se completou, o preço já tinha subido. Aporrinhei-me com essa inflação repentina (mas previsível) e declinei da lotada. O jeito era pernoitar e prosseguir no dia seguinte. Mas a minha Rita já confabulava ao telefone, seus parentes  viriam nos buscar em Guaraí. Em boa hora, pois a vam realmente veio lotada de Palmas.

Canteiro central de uma avenida em Palmas
 (foto tirada na volta, porque na ida não houve chance)
As lanchonetes já fechavam as portas. O taxista aproximou-se, lá pelas tantas, sondando a possibilidade de reatar a lotada antes recusada e confiante na minha cara descorçoada pela espera.
- E aí, conseguiram alguma coisa?
- Os parentes da minha mulher veem de Redenção nos buscar. Não demora e estão chegando.
Só Deus sabe o gostinho com que lhe dei essa resposta!
Chegamos na madrugada do dia 28/12. Eu, Rita, Rafael e os parentes redentores Pedro e Diogo. Em Redenção, Sul do Pará, no coração geográfico do Brasil ou bem pertinho. Mas o destino final era mais além. Prosseguiríamos no dia seguinte.


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