29 de jan. de 2016

Café com leite e bolo de cenoura

Feriado de reveillon. Vontade de lanchar, fui a uma lanchonete na rodoviária e pedi um copo de café com leite e um pedaço de bolo de cenoura. Era o que havia de mais saudável ou menos perigoso.
Estava ali uma mulher com três crianças, ao redor do balcão, aguardando não sei o quê. Acostumado com essas situações em que somos solicitados a colaborar com alguma coisa, comida ou um dinheirinho para completar passagens, e tendo crianças como apelo incontornável, acomodei-me discretamente em bancada na lateral da lanchonete, comendo o meu bolo de cenoura e bebendo o meu café com leite.
Só então comecei a reparar deveras, à sorrelfa, naquelas criaturas. Tanto a mulher quanto as crianças trajavam modestamente, mas com asseio e dignidade. Não me pareceu que as crianças passassem necessidades, muito pelo contrário, as três tinham carinhas de barriga cheia. E uma delas, menina, até sorria e parecia feliz.
Estavam ali com a mãe, estavam viajando, e ali na lanchonete esperavam pelo farnel de viagem, já encomendado e pago. A balconista veio com uma sacola e entregou-a ao menino mais velho, já com jeitinho de homem, e se foram os quatro rumo às bagagens na plataforma. Boa viagem, queridos desconhecidos!
E soube-me bem aquele café com leite e bolo de cenoura!

19 de jan. de 2016

A viagem que começou há mais de trinta anos


Há trinta e três ou trinta e quatro anos, não sei precisar exatamente, passei por Paranaguá voltando de uma viagem que fiz ao Sul em companhia de Rita, minha irmã mais velha e duas sobrinhas; dirigia uma Brasília e subi a Serra do Mar, entre o litoral e Curitiba, por uma estrada encantadora, florzitas à beira, entre a exuberância da mata atlântica. A estrada, uma das antigas trilhas abertas pelos índios que iam do litoral ao planalto colher pinhões, melhorada posteriormente pelos colonizadores, creio que fosse a Estrada da Graciosa, naquela época ainda com trechos em paralelepípedos e outros em terra batida. Agora a terra batida virou asfalto, mas a graça da estrada perdura, não mais com singelas florzitas, mas touceiras e touceiras de hortências azuis à beira. Embora, a meu gosto, preferisse as florzitas.
Porém o que mais me encantou naquela travessia foi a vista de um trenzinho maria-fumaça parado numa estação em meio à floresta. Àquela época, de há muito trafegavam as locomotivas a diesel, mas ali estava uma a vapor, a maria-fumaça da minha infância. Não pude parar para apreciá-la melhor e bisbilhotar-lhe a presença longeva e sua vida pregressa naquele mundo verde. Mas não a esqueci, sua imagem permaneceu em mim.
De lá para cá tenho visto muitas fotos de litorinas ou trens de tração diesel atravessando pontes ou viadutos da estrada de ferro Paranaguá-Curitiba. E sempre com a imagem daquele trenzinho maria-fumaça na mente, alimentei o desejo de um dia viajar naqueles trilhos, não só pelo trem, mas pelo grandioso cenário em que ele trafega.


Passando pelos mananciais de Piraquara

Desejo saciado. O trem, com dezoito carros e duas locomotivas, partiu lentamente de Curitiba apitando nas passagens de nível, enquanto a guia turística resumia fatos da história da ferrovia e distribuía o kit lanche. Em Piraquara, antes da descida, uma parada técnica para dar passagem a um trem de carga que subia. Depois sucederam-se as emoções: o Túnel do Diabo com quinhentos metros de escuridão, a cascata Véu da Noiva, mais túneis, a arrojada ponte São João, sobre o rio de mesmo nome, e o ápice da viagem, o Viaduto do Carvalho contornando as escarpas do Desfiladeiro do Diabo, onde o trem parece flutuar no espaço; no alto, quase furando as nuvens, o Pico do Diabo que, segundo a guia turística, visto de certo ângulo semelha um cão sentado de costas. Cenário grandioso! Se alguns topônimos são do diabo, a paisagem é divina!


Rumo à descida

























Um dos muitos túneis. O braço em primeiro plano é do
 meu filho Daniel


























A exuberante mata atlântica


























Cascata Véu da Noiva 


























A arrojada ponte São João, principal dificuldade técnica
 na construção da ferrovia


























O rio São João

























Ao fundo, a ponte São João


Ao fundo, o início do trem






O Pico do Diabo, coroando o desfiladeiro do mesmo nome

E mais túneis, o Santuário do Cadeado e uma cruz à beira da ferrovia. Neste ponto, durante a revolta do Contestado, foram assassinados um tal Sr. Barão e seus asseclas, que iam presos de Paranaguá a Curitiba. Outra parada na estação do Parque Estadual de  Marumbi, única em operação no trajeto, onde alguns aventureiros saltam para acampar.



Estação do Parque Estadual de Marumbi

Em Morretes, fim da viagem de trem (os de carga seguem até Paranaguá), almoçamos o prato típico da região, o barreado. Até Yasmin gostou.
Pela tarde fizemos um breve tour pela cidade de Antonina, antiga cidade portuária, para a qual a ferrovia estendeu um ramal, ora desativado (e creio que de há muito). Vi a estação ainda preservada e a caixa d'água elevada, com mangueira para abastecer as locomotivas a vapor - verdadeiro museu a céu aberto. Compreendi que aquela maria-fumaça que vi há mais de trinta anos estaria parada em alguma estação deste ramal, àquela época teimosamente ainda operando com tecnologia a vapor. Voltamos de ônibus pela Estrada da Graciosa, que inicia justamente em Antonina.

Os amigos que tiveram paciência de me ler até aqui devem estar pensando: Que gosto esse do Vô Tônico! Trens, locomotivas, maria-fumaça, que coisa mais antiga e atrasada! Que gosto mais sem jeito!
Digo-vos, meus queridos, gosto de trens porque eles fazem parte da minha vida desde o início (vejam Cacos da Memória). E como diz o meu amigo virtual mineiro Sylvio Bazote: "Gosto de trem porque trem é um trem bão, uai!".

17 de jan. de 2016

Um turista em apuros

Fui ao Sul conhecer Curitiba. Levei a família. Pretendia dar uma esticada até Morretes e Antonina, no litoral paranaense, viajando no trem da ferrovia Paranaguá-Curitiba; e ainda visitar um amigo no balneário Camboriú, em Santa Catarina, e levar a Yasmin ao Beto Carrero. Hospedamo-nos num hotel próximo da rodoferroviária para facilitar a logística.
Visitar o amigo não foi possível, por motivos alheios à minha vontade, mas o resto do programa se concretizou.


No ônibus da linha turística

Curitiba é uma bela cidade, bastante funcional e limpa, deslocamentos facilitados e muito verde, com seus muitos bosques e parques, alguns deles implantados a partir de antigas pedreiras desativadas. Um bom lugar para se viver. E uma cidade onde ainda vale a pena ter carro particular.



No Bosque do Alemão

Mas então onde estão os apuros do turista?
Para aproveitar o recesso laboral do meu filho Daniel, viajamos antes do Natal. Pretendia fazer a consoada num restaurante qualquer da cidade, pensava num prato de bacalhau, uma garrafa de vinho e rabanadas. Embarcamos no BRT curitibano rumo ao setor histórico - lá deveria ser o melhor lugar para consoar. Tudo fechado! Grupos de festeiros na rua, um ou outro bar funcionando, mas restaurantes, nenhum! Pegamos um táxi e fomos para Santa Felicidade, um bairro de feição italiana e polo gastronômico da cidade. Nem a santa ajudou! Encontramos dois restaurantes funcionando mediante prévio agendamento e outro sem, mas com enorme fila!
Meu filho Rafael já havia me advertido que talvez fosse necessário agendar, mas não lhe dei ouvidos, besteira dele. Como uma cidade como Curitiba não terá um restaurante onde se possa ceiar, qualquer que seja o dia? Nunca tal me passara pela cabeça!


Na Ópera de Arame

Desistimos. Antes ainda passamos pelo shopping Estação (antiga estação ferroviária), também fechado. Voltamos ao hotel e ligamos para um delivery: a ceia de Natal foi pizza com guaraná!
No reveillon não foi diferente. Compramos na rodoviária esfihas e pão de queijo. Com mate gelado.
Na virada do ano, da sacada do quarto de hotel, eu olhava o perfil da cidade, agora faiscante, contra o negro horizonte: despedidas ao ano que se ia e saudações ao que chegava elevaram-se ao céu em formas reluzentes e coloridas, expressões ruidosas de corações esperançosos.
E o primeiro dia do novo ano amanheceu, igual a todos os outros dias, sob o céu cinzento de Curitiba.

.
No centro da cidade