22 de nov. de 2017

Dialogar é preciso

Num desses dias que ando pela cidade com vagar e olhos de ver, reparei numa escultura que se exibe no jardim em frente à prefeitura, na Cidade Nova.
Antes de escrever estas linhas, pesquisei na internet a autoria da obra para dar o crédito necessário e lustrar o meu verniz cultural.
A obra é de Ascânio M M M, um artista que despontou nos anos 1960/70, agora famoso no Brasil e no mundo.
Mas estas palavras não são para falar de arte, movimentos artísticos ou da biografia do Ascânio, que para tal me faltam os meios. São para falar daquela escultura. E do meu diálogo com ela.
Sim, a escultura parece convidar os passantes a observá-la, contornando-a. Aceitei o convite. E vi múltiplas formas se revelarem a cada passo meu, a cada ponto de vista. E a beleza da obra se desvendou integralmente a mim, que aceitei admirá-la deste modo.
É isto que falta no mundo atual, principalmente no Brasil: ver com olhos de ver, ouvir com ouvidos de ouvir; observar os fatos, a realidade, e ouvir o que ela nos diz. E o que dizem as outras pessoas. E refletir sobre o que se vê e o que se ouve. E entender, se possível.
Falta dialogar, meus queridos! 

1 de nov. de 2017

Nada melhor que mãe e pai

Como todos sabem, estou brincando de construtor. Tenho tido, no entanto, oportunidade de observar fatos muito além da construção em que estou envolvido. Fatos de uma outra construção, infinitamente profunda, misteriosa e bela.
Há na casa um corredor lateral e externo ao qual se tem acesso apenas pelos fundos. Fui lá, com vassoura em punho, promover uma faxina com o fito de preparar uma concretagem.
No fim do corredor, camuflado pelas folhas secas caídas da mangueira vizinha, um filhote de sabiá- laranjeira assustou-se comigo (e com a vassoura) e correu atrapalhadamente até conseguir alçar pequeno voo. Postou-se empoleirado sob um andaime. O pequeno peralta caíra do ninho, possivelmente da mangueira.
Não vendo os pais nas proximidades, preocupou-me a sorte do bichinho. Ao menos, pensei, vou dar-lhe água e o mais que puder para salvá-lo. Levei-lhe a água num pires, mas ele nem ligou, aparentemente desconhecendo a natureza e o valor do líquido, acostumado que ainda estava em receber todo o alimento do bico dos pais.
O bichinho estava quase completamente emplumado, as penas do peito já alaranjando, era macho, sim senhor, mas bebê, e assustou-se com o pires e a minha insistência. Voou tentando ultrapassar o muro, não conseguiu e foi ao chão. Neste momento chegaram os pais, vigiando da árvore do outro lado do muro.
Bem, acharam-no, se já não o haviam achado antes, agora é com eles, pensei.
Fui trabalhar dentro da casa, pois nada poderia fazer naquele corredor em virtude do drama ali desenvolvido.  Mas, curioso, vigiei discretamente.
Na primeira espiadinha vi a senhora sabiá, de corpo esbelto e elegante em seu costume cinza básico, sob umas tábuas encostadas à parede, piar como quem diz: vem para cá, filho, aqui é mais protegido, vem. Mas qual! Viu-me e voou para longe. O pequeno voou novamente para o poleiro sob o andaime.
Eu precisava ser mais discreto, mas a curiosidade não me deixou. Surpreendi o senhor sabiá num voo rasante ao muro, logo revertido assim que me viu, não sem antes soltar no ar um pio misto de ameaça e desespero, para meu espanto, acostumado que estava com seu belo cantar matinal.
Toda a tarde foi uma rotina só: senhor e senhora sabiá abasteceram o papo do filhote. Ao final da tarde, quando da última espiadinha, o filhote estava lá no poleiro, tranquilo e esperto,  ajeitando as penas com o bico.
Amanheci  com o cantar do senhor sabiá, que nunca me pareceu tão exuberante e belo.
Após um café na padaria , dei mais uma espiadinha. O filhote não estava mais lá; dele, só uns cocozinhos no chão.