14 de jan. de 2017

Vô Tônico maximalista

Recentemente a minha Rita submeteu-se a uma cirurgia de hérnia umbilical. O procedimento estava agendado para 28/11/2016. Ainda em outubro, fui a São Gonçalo, onde a mãe de Yasmin e o marido estão construindo uma casa. Levei o meu pedreiro favorito (meu cunhado) para construir uma escada, pois julgava que os pedreiros da obra não o fariam a contento. Escada concretada, voltei no domingo, 30 de outubro, dia de votação em segundo turno, e soube que a cirurgia havia sido antecipada para o dia seguinte, segunda-feira. Ótimo!
Após cumprir meu dever de eleitor, ficamos, eu e Rita, assistindo televisão pela tarde afora. O telefone tocou: "Dona Rita, por que a senhora ainda não se internou?"
Resumindo o equívoco, a cirurgia era na segunda-feira, mas a internação no domingo.
Imediatamente partimos para o hospital. Cristina, amiga de Rita, foi como acompanhante, pois no dia seguinte, dia da cirurgia, eu precisava retornar a São Gonçalo para orientar os pedreiros na construção do 2º andar.
Problema: a paciente internada teria a alimentação prevista, mas a acompanhante não, porquanto, pelo adiantado da hora, o refeitório já fechara. E a cantina nem abre aos domingos.
Fui à rua em busca de alimentação para Cristina.
Na Rua do Matoso, um restaurante aberto. Duas pessoas, sentadas ao fundo do salão, conversavam e bebiam. Entrei com o intuito de perguntar se ainda havia comida àquela hora (21 horas, mais ou menos).
Do mezanino descia um chinês, com toalha e bandeja à mão, já de idade avançada, quase esquelético e com cara de poucos amigos. Comecei então a contar a minha história, estava com a mulher internada, precisava de alimentação para a acompanhante, etc e tal...
E o chinês, de fisionomia ainda mais dura e gestos rudes:
--- No tem! No tem!
Tentei explicar mais claramente.
--- No tem! No tem! E apontava-me rispidamente a porta de saída!
--- Calma, calma, se não tem, tudo bem. E saí, calmo e humilde, para o olho da rua, com a sensação de que o chinês nada entendera. Também eu nada entendi.
Fui então a um botequim do outro lado da rua, cujo botequineiro me indicou uma lanchonete próxima.
Levei o lanche a Cristina.
E voltei a casa tentando entender o chinês, já agora com uma pontinha de indignação. "Raios de Ching-ling! Como pode prosperar tratando assim os clientes! Além de tudo é um quadrúpede! Asno!".
No dia seguinte, preparando-me para ir a São Gonçalo, ainda pensava no chinês. Fazendo a barba, desvendei-lhe a atitude aparentemente despropositada.
Saímos de casa para o hospital apressadamente; eu, sem grandes cuidados quanto à aparência. Estava trajado adequadamente, roupas limpas e cabelo penteado. Mas com uma barba de semana! Em São Gonçalo, na obra, não perdi tempo com tais cuidados.
Isso, e o meu jeito de explicar tudo direitinho, a minha tendência de contar histórias, confundiu o chinês, que me tomou por pedinte, um mendigo pedindo comida.
Eu deveria ter sido mais objetivo: "ainda tem comida?", talvez acrescentando um gestual que ajudasse o entendimento. Notem que os pedintes, pelo menos os mais espertos, sempre contam uma história, em geral triste e longa, que até precisa ter paciência para ouvir.
É isso. Falei demais para alguém que provavelmente já andava estressado com o assédio de pedintes e outros desafortunados da vida.