13 de set. de 2009

Privilégio

Participei de um evento cultural, – Literatura de Segunda -, promovido pela Ong Laboratório Cultural, na Praça XV de Novembro, em Marechal Hermes. Para os engraçadinhos que já estão fazendo conjecturas sobre a qualidade da literatura ali apresentada, vou logo avisando: o evento aconteceu em 22 de junho do corrente, uma segunda-feira, portanto.

Teve árvores de livros, contadores de histórias, oficina de artes plásticas, uma instalação artística manipulável, literatura de cordel e poesia. Mais de cem poemas abraçando a praça, fixados nas grades que a rodeiam!

De início participei com o meu suor, armando tendas. Prazeroso foi depois: admirar os livros pendurados nas árvores, ler os poemas ao redor da praça, xeretar as oficinas, conhecer pessoas, conversê daqui e dali...

O Severino Honorato eu já conhecia de duas semanas antes, quando fomos clicados para o encarte Zona Norte de O Globo de 21 de junho, em grupo com os ongueiros. Severino é poeta e cordelista. Diz que não domina a arte do cordel, mas só pode ser modéstia. Trocamos nossos livros: Cacos da Memória pra lá, Don Severo em 4 Tempos pra cá.

Na próxima tenda visitada conheci Eduardo Marinho, artista plástico e poeta. Artista-cabeça, como atestam os seus desenhos e o livrinho que me deu, - Palavra &Imagem -, pequeno por fora, mas grande por dentro, todo manuscrito e reproduzido em serigrafia em sua Editora Faisamão, assim também as cópias de seus originais a bico-de-pena. Dele ouvi que vive e sempre viveu de sua arte, com dignidade. Viver de arte já é uma vitória, e com dignidade, nos tempos de hoje, é vitória ao quadrado! Bravo!

Nessa tenda conversei também com Ivon Carlos Bernardo, carpinteiro e poeta com mais de trezentos poemas inéditos!

Mas o maior sucesso do evento foi mesmo o caixote. A proposta era subir nele e declamar ou ler poesias de autoria própria ou de outrem. O Severino brilhou! E uma professorinha, que não lembro o nome. Desculpe, professorinha. Outros poetas se apresentaram. A muito custo subi também e li o meu poeminha, uma louvação a meus pais. Não foi tão difícil quanto pensava e até voltei para recitar alguns versos de Fernando Pessoa que sabia de cor.

Tudo isso fez com que eu quase esquecesse um dos motivos da minha presença ali: distribuir cem cópias de "A menina do guarda-chuva e os meus sapatos de verniz", a história que abre o meu livro Cacos da Memória. Ofertei o meu peixe na praça.

Ao final, vi um homem cortando a praça em minha direção. Seria o próximo a receber a minha Menina do guarda-chuva. Ou não. Reparando melhor, parecia mendigo, em Marechal é o que não falta, certamente a leitura não fazia parte de sua dieta. Preconceito. E se não fosse mendigo, mas um cidadão em penúria de trajes? E mesmo que fosse mendigo, eu estava discriminando, isso não era politicamente correto. E se gostasse de ler, sendo ou não mendigo? Que sei eu das ânsias alheias? Fiquei intimamente constrangido. Sim, vou oferecer-lhe a minha história, se não por outra razão, ao menos para ficar bem comigo mesmo.

- Boa noite, senhor, gosta de ler? Eu tenho aqui uma história...

O homem riu, dentes estragados, mas riso aberto e franco, talvez estranhando a educação com que fora abordado, ou satisfeito por que houvessem reparado nele, ou – o que é mais provável – já antevendo a facada que ia desfechar.

- Gostar de ler eu até gosto, mas é que a minha cabeça...

- Sei, está cansada para leitura, a vista não ajuda...

- Não, é que a minha cabeça só consegue pensar num café bem doce e quente, um pão...

- Bem, eu tenho uma história e o senhor tem fome; vamos fazer o seguinte: eu fico com a história e o senhor vai tomar o seu café – disse, dando-lhe cinco reais. - Vá, vá tomar o seu café bem doce e quente, vá – despedi-me, com tapinhas no ombro.

O mendigo seguiu contente. Eu me senti um privilegiado. Ali, na praça, com as urgências do estômago e outras bem atendidas, curtindo poesia, alimentando o espírito, enquanto há quem sonhe com um simples café bem doce e quente...



Julho de 2009


4 comentários:

Teresa disse...

Acabei de ler todas as crônicas postadas. Gostei, epecialmente da última. Temos fome de tantas coisas...
Quando crescer, quero ser igual a você!
beijão!

Gledson Vinícius disse...

fico muito feliz de seguir suas letras pelas terras dos "zero e um"... Parabéns pelo texto, obrigado pela presença e quero sempre contar com sua presença magnifica!.

Gledson Vinícius
www.poraodogv.blogspot.com

Daiane brasil disse...

Olá Antonio, Sou Daiane brasil do Laboratorio Cultural, venho fazer um agradecimento de carater publico pela participação em nossa ação em marechal Hermes, muito obrigada, estou lendo seu livro e é fascinante. Obrigada...

Daiane brasil disse...
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