Apesar do tempo ruim, fui à Candelária na última quarta-feira. No trem um camelô vendia guarda-chuvas a oito reais. Não comprei. Chegando à estação Central a chuva apertou e me vi obrigado a comprar o mesmo tipo de guarda-chuva por dez reais. Agora não posso mais dizer que não tenho guarda-chuva.
Na Candelária a animação era grande, vários carros de som ou trios elétricos, grandes e pequenos, o do Governo do Estado o maior de todos, já pronto para iniciar a passeata, embicado na Rio Branco. Gente de todos os lugares, de Campos dos Goytacazes a Piraí, com bandeiras e bandeirolas, faixas e camisetas com o mote da manifestação: Contra a covardia, em defesa do Rio. E muitos cidadãos e cidadãs, de todas as idades, sem qualquer vínculo com torcidas ou claques organizadas ou quaisquer outras instituições sociais: homens e mulheres cumprindo um dever de cidadania.
E que bonito era: o Rio levantava a cabeça, protestava!
Circulei entre as gentes, observando as faixas, procurando alguma pilhéria, gracejo ou picardia, bem ao gosto do espírito carioca. O que encontrei foi referências a petróleo, royalties, Ibsen Pinheiro e covardia, todas objetivas e bem comportadas. Ainda na Presidente Vargas, aguardando sua vez de adentrar a Rio Branco, um carro de porte médio identificado como Trio Arrudão (cruzes!) exibia duas faixas em letras pretas mal traçadas. Uma dizia: Ô LULA, SE VOCÊ NÃO COMPRAR ESTA BRIGA VAI FICAR QUEIMADO PARA SEMPRE; a outra: Ô LULA, AGORA QUERO VER SE VOCÊ É MESMO O CARA. Aí estava o espírito carioca!
O Trio do Governo iniciava o desfile deslocando-se lentamente, e eu me dirigi à Cinelândia, beirando a calçada. Um jornaleiro distribuía gratuitamente uma Edição Extra do JB sobre o evento. Grupos de policiais, viaturas de polícia, ambulâncias. Entrei numa banca de jornais e comprei dois chocolates. Quase ia lá deixando o guarda-chuva. Ainda bem que não o perdi desta feita, pois ao chegar à Cinelândia a chuva engrossou. A praça já estava cheia e as pessoas sem capa ou guarda-chuva dispersaram-se pelas ruas laterais, procurando abrigo nas marquises dos edifícios. Meti-me num beco formado por tapumes de obras e andaimes em frente ao Bola Preta. Rapidamente o lugar ficou atulhado, inclusive com policiais, e eu considerei melhor sair dali, caso houvesse um estouro de boiada eu seria esmagado contra as vidraças da portaria fechada. Contornei pelas ruas laterais buscando um acesso à Praça Floriano que não estivesse atulhado de equipamento eletrônico, barracas e palanques. A chuva diminuiu e a praça encheu-se novamente. Após três horas do início da passeata, os trios elétricos chegavam finalmente à Cinelândia. O do Governo parou por largos minutos deitando falas e música. No palanque oficial, artistas e outros personagens da cena carioca se posicionavam em defesa do Rio e Espírito Santo. Um fato me chamou a atenção: o Trio Arrudão (cruzes!) passava à minha frente. Mas onde estavam as faixas com letras pretas mal traçadas? Sumiram! Reparando melhor, vi por debaixo de outra faixa as duas primeiras letras da faixa anterior: Ô L... Não havia dúvida – censuraram o espírito carioca para não melindrar o companheiro-presidente!
Como continuasse chovendo não podia sentar e os meus pés já doíam. Os discursos dos políticos ainda demoravam. Fechei o guarda-chuva e desci as escadas do Metrô convicto de haver cumprido um dever.
Sexta-feira, 19 de Março de 2010
0 comentários:
Postar um comentário