O nome da peça é Otto Lara Resende ou Bonitinha mas ordinária, obra-prima de Nelson Rodrigues. A trama se desenvolve em torno do mote "O mineiro só é solidário no câncer" – frase do escritor mineiro que encabeça o título da obra.
Eu já a tinha visto no cinema, com a Lucélia Santos ainda quase adolescente, mas confesso que não me lembrava da trama – uma história de suborno, canalhices e interesses inconfessáveis travestidos de boas intenções. A frase lapidar do Otto nos diz que o mineiro (ou qualquer pessoa esperta, sagaz e calhorda) – a não ser no câncer – tem sempre um interesse ou segunda intenção por trás da atitude aparente de solidariedade.
Podemos considerar algum exagero na frase, que ao tempo de Otto e Nelson e no contexto da peça, era aplicada às elites; mas se pensarmos nos dias de hoje, criticamente, veremos que qualquer possível exagero se esvai e que já não pode ser aplicada somente às elites. No dizer de Eduardo Votzk, diretor da montagem teatral em questão, "O Brasil está cada dia mais rodriguiano". O mineiro que só é solidário no câncer pode ser o seu vizinho, a pessoa caminhando ao seu lado na rua, o policial lanchando na padaria, a ONG cuidando de criancinhas de rua, o burocrata que põe barreiras ao seu pleito, o prefeito que manda consertar as calçadas do seu bairro, o governador que chora frente às câmeras... E mais não digo, porque você já sabe.
A propósito, assisti à peça recentemente, no Teatro Armando Gonzaga, em Marechal Hermes. O teatro tem oferecido programação (infantil e adulta) nos finais de semana, quase ininterruptamente. Começou em setembro. Pensei: são bondades de ano eleitoral; após a votação fica tudo como estava.
Creio que me enganei – a programação continua!
A nova fase do teatro coincide com a mudança em sua direção. Pensei novamente: por que o governo nada fez desde que assumiu, há seis anos e só veio fazer agora? Resposta: porque quer eleger o seu sucessor em 2014.
O mineiro só é solidário no câncer!
Viva Otto! Viva Nelson!
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