O vestido de folhas
Foi ter a um bosque denso e sombreado. Havia ali uma fonte a minar do chão e formando uma poça de água fresca e cristalina. Pôs-se de cócoras, para beber dela pelas mãos em concha. Antes de estar saciado completamente, viu no espelho d'água um rosto refletido. E não era o seu, pois nem tinha cabelos loiros nem feições femininas! Ergueu-se, olhando para cima: uma belíssima jovem escondia-se entre as folhas de um galho!
- Ora, se não é a moça da melancia! – exclamou Tonico, lembrando-se da história que tantas vezes ouvira de sua mãe.
Era assim a história:
Um pai pobrezinho deu a cada um de seus três filhos uma melancia quando estes resolveram correr mundo, recomendando-lhes que só as abrissem onde houvesse água. O filho mais velho esqueceu a recomendação do pai e abriu a melancia longe da água; de dentro da melancia saiu uma linda jovem que lhe pediu leite ou água e como não houvesse nem uma coisa nem outra, a jovem morreu. Com o filho do meio aconteceu o mesmo.
O filho caçula, porém, lembrando-se das palavras do pai, abriu a melancia junto a uma fonte; a jovem bebeu água à farta e salvou-se. Mas como estivesse nua, o rapaz escondeu-a nas folhagens de um galho acima da fonte, dizendo-lhe que dali não saísse até que voltasse com roupas.
Mais uma vez a história ia repetir-se, agora sob o olhar do menino.
A jovem fez menção de sair de entre as folhas e Tonico, cavalheirescamente, virou-se de costas, para que não ficasse constrangida em sua nudez. A moça riu-se e disse:
- Não precisa dar-me as costas, estou vestida, olha...
De fato, a jovem trajava um vestido de folhas, todas costuradinhas por finíssimo fio.
- Mas, como foi isto?!
- Passou por cá um costureiro e fez-me este vestido. Não é grande coisa, mas evita-me a vergonha, já que o meu senhor demora-se tanto.
O menino já sabia de qual costureiro a jovem falava, mas perguntou:
- E como é esse costureiro?
- Não sei – respondeu-lhe a jovem. É invisível, mas costura muito bem, e rápido.
- E para onde foi?
- Disse que ia correr mundo em busca de fama e fortuna.
- Ah... E quanto a ti, é melhor que te escondas muito bem. Pode vir alguém...
- Eu sei. Já esteve cá uma velha muito feia e torta, a buscar água. Viu o meu rosto refletido na fonte e pensou que era o dela. Então disse: "Sendo tão bonita assim, por que trabalho eu para os outros?". Em seguida quebrou o cântaro e foi embora. Foi tão engraçado! Contive-me a muito custo, para não estourar de rir!
- A velha vai retornar, não te descuides...
- Que pode uma velha daquelas contra mim? De mais a mais, o meu amo não tarda a chegar.
Tonico teve vontade de contar-lhe tudo o que estava por acontecer, mas achou melhor deixar a história cumprir-se. Despediu-se e afastou-se. Ainda queria encontrar o bicho costureiro.
A Moura Torta
A velha muito feia e torta, a Moura Torta, como era conhecida, retornava à fonte com outro cântaro, depois de ter sido espinafrada por sua patroa. Vinha cantando, ou melhor, resmungando uns versos, tortamente – sem ritmo e sem melodia – com sua voz rouca e expressão enfezada, como a lamentar-se por toda uma vida de trabalhos sem proveito:
Ai, minha mãe dos trabalhos
Para quê trabalho eu?
Trabalho, mato o meu corpo
Não tenho nada que é meu (1)
A velha metia medo a qualquer criança, mas Tonico criou coragem e saltou-lhe na frente.
- Raios! Só me faltava esta: um fedelho no meu caminho! Arreda, fedelho, não vês que estou a trabalho?
- Desculpe, Senhora D. Moura, mas queria saber se tem notícias do bicho costureiro
A moura gostou da maneira educada do menino e desfez a carranca.
- Não sei de que bicho estás falando...
- Do bicho costureiro que fugiu da máquina de costura da tia Rosinha. Soube que foi correr mundo e desejava muito avistar-me com ele.
- Já sei... Tu és um desses meninos curiosos que querem saber tudo, conhecer, mexer... Não gosto de gente assim, vivem aprontando. Sei de um que desmontou um relógio "só pra ver como era" e nunca mais conseguiu montá-lo. Ah, curiosos!!!... Quanto ao bicho de que falas, se é costureiro e costura bem...
- Costura muito bem, eu garanto.
- Nesse caso pode estar no Reino das Princesas Vaidosas. Elas são muito exigentes e não se satisfazem com qualquer costureirazinha...
- E onde fica esse reino, Senhora?
- É perto daqui. Segue sempre em frente e chegas lá: depois dos campos de trigo.
- Agradecido, Senhora.
- Não tem de quê. Agora me deixa ir, tenho muito a fazer. Ai, minha mãe dos trabalhos!
O menino afastou-se em direção ao Reino das Princesas Vaidosas. E foi pensando na história que se desenrolava no bosque.
Retornada à fonte, a moura viu-se novamente refletida na água e novamente julgou-se belíssima e novamente quebrou o cântaro. Então a jovem não resistiu e deu uma gargalhada. Descoberta, contou à velha a sua história. E a moura, antevendo vantagens, ofereceu-se para pentear-lhe os lindos cabelos doirados. Por ingênua ou vaidosa, ou por ambas as coisas, a jovem deixou-se pentear e a velha, enquanto o fazia, espetou-lhe um alfinete na cabeça, virando-a em pombinha! A Moura Torta era uma bruxa...
Já Tonico marchava rumo ao Reino das Princesas Vaidosas quando uma pombinha branca, voando do bosque, alçou no azul do céu sobre o ouro dos trigais.
- versos recolhidos da tradição oral portuguesa.
(continua no próximo post)
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