5 de jun. de 2011

O BICHO COSTUREIRO (Parte 4)


As princesas vaidosas
Em torno do rei, cortesãos e convidados divertiam-se com as piadas e pantominas de Sete Palmos, o maior anão do mundo ou anão gigante, como ele próprio gostava de se definir. Aguardavam as gêmeas aniversariantes. Em geral, como autoridade mor, o rei é sempre o último a chegar, mas não no Reino das Princesas Vaidosas; estas sim, chegavam quando queriam, faziam e desfaziam na corte como verdadeiras rainhas, mimadas e vaidosas ao extremo, mandonas e cheias de vontades, sob o olhar amoroso do velho monarca.
Nas paredes, entre janelas estreitas, tapetes coloridos davam um tom festivo e tochas acesas cediam luz e calor ao ambiente. Serviçais abasteciam de iguarias a grande mesa no salão enorme.
Tonico encostou-se à parede, semi-encoberto por um dos tapetes decorativos; a pombinha esvoaçou no salão.
Em dado momento, Sete Palmos deu uma cambalhota e rodopiou tilintando os guizos de seu uniforme, parando ao pé da escada para anunciar:
- Sua Alteza, a princesa Ramona...
Todos os olhares voltaram-se para a princesa, que desceu devagar e circulou no salão, deliciando-se com as caras de espanto e admiração dos cortesãos e convidados: para além de sua beleza natural, trajava um belíssimo vestido nunca dantes visto igual em parte alguma, todo confeccionado com pétalas de rosa em variados tons de vermelho, dos rosas mais suaves ao vinho mais profundo. Sucesso! Ramona não cabia em si de feliz!
- Sua Alteza, a princesa Morgana - anunciou o bobo.
Os olhares desviaram-se de Ramona para fixarem-se – deslumbrados! – em Morgana. Um "oh!" de surpresa e encantamento ecoou no salão: a princesa resplandecia num vestido composto por um sem número de pequeninas luzes piscantes, de tons amarelo-esverdeados, que formavam à sua volta um halo luminoso contrastante com a luz mortiça das tochas! A corte aplaudiu entusiasticamente a princesa! O rei embobeceu de orgulho!
Que prodigiosa costureira teria criado aquelas jóias sem par?
Retornada de suas avoanças, a pombinha arrulhou aos ouvidos de Tonico:
- Fiquei sabendo por aí que uma velha costureira, chegada há pouco, trabalhou em segredo para as princesas, pois elas queriam fazer surpresa e sensação na festa de 15 anos. E fizeram, pois não? E como estão lindas! Ai, ai, quem me dera estar dentro de um vestido como esses... Ah, sabes o que são aquelas luzinhas no vestido da Morgana, sabes? São vaga-lumes, todos costuradinhos uns nos outros...
- E soubeste alguma coisa do bicho costureiro? Cheguei a pensar que era coisa dele, mas se foi uma velha...
- Não, nada de bicho costureiro...
- E o teu amo, anda por cá?
- Também não, infelizmente.
O menino pensou em ir-se dali, mas quis apreciar um pouco mais da festa. A pombinha foi assuntar mais novidades.
Um final infeliz
Morgana passeou por todo o salão recebendo cumprimentos e elogios, sorridente e feliz, e parou em frente a Ramona, envolvendo a irmã em seu halo de luz.
Ramona já não sorria, suas faces avermelhavam e seus olhos pareciam disparar dardos contra a irmã.
- Falsa! – acusou Ramona, cerrando os punhos.
- Invejosa! – retrucou Morgana, retesando-se toda.
A corte emudeceu; o rei, escorando-se no ombro de Sete Palmos, empalideceu: sabia o soberano de muitas outras situações em que as princesas enfrentaram-se a unhas e dentes. Sempre perdoava e esquecia tudo, mas ali, em público, perante a corte e convidados e talvez até pretendentes – era demais!
- Que gênio! Que falta de modos! – comentou uma cortesã, discretamente.
- Mas também, criadas sem mãe, é nisso que dá! – cochichou a outra.
- E o rei nunca teve pulso sobre essas meninas, isso é que é – rematou uma terceira.
As princesas já levantavam as mãos para se engalfinharem, mas retiveram o gesto: o vestido de Ramona despetalava-se todo enquanto as luzinhas de Morgana desprendiam-se e voavam pisca-piscando no salão. Em instantes as duas estavam em roupas de baixo, de corpetes e calçolas!
A corte desabou em risos e galhofas! O rei, enfurecido, ordenou:
- Guardas! Prendam a costureira, à masmorra com ela!
As princesas, envergonhadas e aos prantos, correram escadas acima seguidas por suas damas de companhia, e Sete Palmos, tentando restabelecer a ordem, subiu numa cadeira e convidou os presentes a tomarem seus lugares à mesa.
E a nobreza, animadamente, caiu de queixo nas iguarias!
Um pouco depois, no intuito de alegrar o rei e divertir os presentes, Sete Palmos mandou que os jograis atacassem com suas cantigas. Ninguém entendeu por que um dos jograis deixou de lado o seu repertório e iniciou um improviso:
Vim de longe a este Reino
Pra jograr numa festança
E afinal o mais que fiz
Foi rir muito e encher a pança...
Pra quê?!!! Ao som da gargalhada geral, o rei desequilibrou de vez e ordenou, aos berros:
- Guardas! Prendam o jogral, prendam o bobo, prendam todo mundo! Na masmorra! Baixem a grade e prendam todos na masmorra!
Seguiu-se tamanha confusão, tamanha correria, que Tonico só foi dar por si já no pátio do castelo, com a grade do portal interno baixada e sem a menor possibilidade de fugir dali - pior que nos piores pesadelos! Um guarda reconheceu o menino.
- Olha o pirralho mentiroso! Anda cá, pirralho, vais para a masmorra com os outros!
Tonico só desejava acordar, se é que era pesadelo! Pensava já em beliscar-se quando da masmorra veio uma bola de fogo que o envolveu e elevou-o no ar e riscou o céu sobre as muralhas do castelo. O menino ainda viu, por instantes, voando a seu lado a pombinha.
- Adeus, menino da fonte. Vou em busca do meu amor. Adeus.
(continua no próximo post)

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