9 de jun. de 2011

O BICHO COSTUREIRO (Parte 5)

Afinal, o bicho costureiro


Um piscar de olhos e Tonico já estava no bosque em que encontrara a moça da melancia: viagem mais impressionante que o mais impressionante dos sonhos! À sua frente, pairando no ar, a bola de fogo, que não era de fogo, mas resplandecia como o vestido de Morgana.

- Então, querias conhecer-me?

- O bicho costureiro, uma bola de luz?

- Sim, mas na verdade sou invisível. A luz que vês é por causa do vestido que fiz para a princesa Morgana, costurando milhares e milhares de vaga-lumes. Impregnei-me com a fosforescência deles. Cavacos do ofício...

- Mas disseram-me que foi uma velha...

- Pois foi...

E dizendo isto, a bola encolheu-se ao tamanho de um vaga-lume de luz intensíssima; depois cresceu, transformando-se numa árvore fosforescente; em seguida alongou-se como corda e evoluiu no ar em graciosos volteios, para finalmente descer em forma de balão.

- Entendes agora? Posso transformar-me no que quiser, não tenho forma definida. Virei-me numa velha e apresentei-me como costureira às princesas...

- E os vestidos, por que se desmancharam?

- Ah, que terríveis são aquelas meninas, que gênio! Os vestidos, costurei-os com uma linha mágica muito delicada, porém eficiente e apropriada a costuras igualmente delicadas, mas que não resiste a estados emocionais intensos: sentimentos negativos como ciúme, inveja, raiva, destroem a linha, desfazendo as costuras. Foi isso... Eu quis fazer os dois vestidos com pétalas, apenas variando a cor, mas a princesa Morgana insistiu em querer algo mais deslumbrante...

- E a masmorra?

- Ora, é impossível prender um espírito. Deixei-me trancafiar para não chamar a atenção, mas posso fugir até pelo buraco de uma fechadura.

- E como soube que eu queria conhecê-lo?

- Uma pombinha me contou...

- O Senhor...

- Você, se me faz o favor.

- Você também não gosta de meninos curiosos?

- Não há por quê! A curiosidade é mãe da ciência. Viva a curiosidade!

- E agora, ainda pretende correr mundo?

- Não, prefiro o sossego da minha máquina de costura. O mundo dos homens é muito complicado! Mas antes de voltar preciso livrar-me deste brilho, não vá tia Rosinha assustar-se, pensando que sua máquina pega fogo por dentro.

E dizendo isto, o bicho costureiro começou a sacudir-se no ar, fazendo movimentos rápidos de vai-e-vem para livrar-se da fosforescência. Propôs-lhe então o menino:

- Por que não se esfrega em minhas roupas, passando-me o brilho?

E assim fez o bicho, até ficar novamente invisível.

- Até mais ver. Cuida-te.

Tonico olhou a noite: breu puro, mas suas roupas iluminavam a mata ao redor. E das bandas do Reino das Princesas Vaidosas chegava ao bosque uma nuvem de alegres vaga-lumes


Epílogo


- Tonico! Tonico! Responde, meu filho!

Tiana procurava o filho na mata, aflita, pois de há muito o sol se apagara. Não era a primeira vez que o filho lhe aprontava uma dessas: vivia espionando as formigas, os grilos, as lagartas, os vaga-lumes e tudo o mais, e às vezes adormecia na mata. Como achá-lo naquela escuridão, pensou Tiana, que nem uma lanterna levava, tão apressada saíra de casa.

Um clarão entre as moitas conduziu Tiana ao filho adormecido na relva.

Ora, essa! As roupas a brilhar! Com certeza estava brincando com os vaga-lumes, pois nunca se viu tantos na mata, deduziu a mãe ao recolher o filho nos braços.

No dia seguinte Tonico dormiu até mais tarde e ao levantar-se, antes mesmo de tomar café, correu ao ateliê de costura da tia Rosinha. Estava lá o Elias mecânico.

- Ó tia Rosinha, a sua máquina está boa, não lhe encontrei nada de errado.

- Mas, como, se ontem não funcionava?

- Mas está ótima, experimente.

A costureira sentou-se com os pés na pedaleira, ajeitou um retalho sob a agulha e tic tic, tic tic, tic tic, a costura fez-se perfeita como nunca!

- Não entendo... não entendo... – balbuciou tia Rosinha. E quanto lhe devo seu Elias?

- Ora, não é nada. O que fiz foi só aplicar um tiquinho de óleo para lubrificar os mecanismos.

O tio Jaime observava tudo com expressão preocupada. Disse ao mecânico:

- Aceite ao menos merendar...

- Ah, pois claro, com muito gosto.

A costureira foi preparar a merenda enquanto seu marido chegava-se ao Elias e confidenciava:

- Não sei não, Elias, mas acho que a Rosa está caducando...

Tonico, que tudo observava, olhou a máquina de costura e sorriu. Depois saiu, sem pressa, chutando as pedrinhas do chão. Um bando de pombas passou voando e o menino acenou-lhes com as duas mãos: quem sabe não estaria entre elas a pombinha falante... ou a moça da melancia.

FIM


Perguntas que o leitor está fazendo agora

E a pombinha, encontrou o seu amor?

Encontrou. E o seu amo já era rei e a Moura Torta sua rainha!

A pombinha apareceu nos jardins do palácio dizendo: "Onde andará meu amo e a sua Moura Torta?". O jardineiro ficou intrigado com a fala e contou ao rei, que mais intrigado ficou. O rei mandou então que o jardineiro prendesse a pombinha e a levasse até ele. Logo se afeiçoaram. Mas a rainha, percebendo de quem se tratava, caiu de desejos por uma sopa de pombinha e nada a fez desistir de seu intento, até que o rei cedeu. Antes de dar a ave para a cozinheira real, porém, o rei acariciou-lhe a cabecinha e descobriu o alfinete que lhe cravara a Moura Torta. Então retirou o alfinete e o encantamento se desfez, virando pombinha em moça da melancia. A Moura Torta foi duramente castigada e expulsa do palácio. E o rei viveu feliz para sempre com sua nova rainha.

Cabe ainda outra pergunta: como um moço pobrezinho, que no início da história só tinha uma melancia, no final vira rei de um reino?

Não sei. Minha mãe não me contou. Nem contaram pra ela. Ao que tudo indica, a história da Moura Torta – da tradição oral – chegou truncada até nós, faltando um pedaço. Ninguém sabe, ninguém saberá...


PS: Li recentemente em "Contos Tradicionais do Brasil", de Câmara Cascudo, uma versão recolhida no Nordeste brasileiro na qual o moço não é pobrezinho, mas filho de rei, príncipe portanto, e filho único. Ao sair pelo mundo, encontra uma velhinha carregando um feixe de lenha e oferece-lhe ajuda; em agradecimento a velha lhe dá três laranjas (encantadas, claro). No mais a história segue como acima. A variante que contei foi-me passada por minha mãe e coincide com a de Monteiro Lobato em "Histórias de Tia Nastácia".

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