10 de abr. de 2024

Franguinha

           D. Maria mudou-se para o Rio de Janeiro, então capital da república, onde a Marinha Mercante tinha e tem sua principal base. Foi morar no subúrbio de Rocha Miranda em casa de amplo quintal, no qual criava galinhas.
          Deu-se que Maria afeiçoava-se à criação e nada de matar uma ou outra, só consumia parte dos ovos, mas ainda assim o quintal encheu-se de galinhas a mais não poder. De modo que o quintal já não provia alimentação, já não havia minhocas , besouros e outros insetos. Nem sobras de comida que dessem conta. Necessário pois, comprar ração. E assim, o afeiçoamento de Maria encarecia.
          Era preciso acabar com aquilo. A muito custo, Maria decidiu degolar uma a uma. E toda a vizinhança comeu galinha. Só restaram Franguinha e o galo, por razões óbvias.
          Franguinha destinava-se a iniciar nova criação, que desta feita seria contida. Destinava-se, mas o destino não assentiu. E Franguinha postou-se ao pé de uma das galinhas defuntas, supostamente sua mãe. Supostamente para nós, mas Franguinha bem sabia de quem se tratava. E subiu em cima da galinha e ali ficou piando, piando, entristecendo, entristecendo... Não arredou pé, nem para procurar comida. E piava, piava... Até ir ao chão em agonia. E finar-se.     

9 de abr. de 2024

Malandro demais também se atrapalha

          O marido de D. Maria era oficial de máquinas da Marinha Mercante, e nessa função ausentava-se em viagens longas e demoradas. Sozinha nessas ausências, Maria fechava portas e janelas de sua casa em bairro de Belém do Pará. De tal modo sentia-se mais segura.

          Certa feita, notou que alguém cutucava, por fora, a parede junto à porta, mais ou menos na altura da fechadura. Quem quer que fosse, não tinha boas intenções, por óbvio. Pretendia abrir buraco, introduzir a mão e abrir o trinco, adentrando na casa, deduziu Maria.

          Calmamente, sentou-se em cadeira frente à porta e esperou, facão na mão.

         Terminada a violação e introduzida a mão, Maria desfechou-lhe um golpe. O malandro saiu correndo e sangrando.

          Calmamente, Maria lavou  o sangue derramado na calçadinha entre a porta e o portão.

   

17 de fev. de 2024

A mulher esperta e seu menino

           Às seis da manhã, como de costume, fui à padaria comprar pão. Na volta topei com uma mulher, jovem ainda, com bebê ao colo. Viera de Ricardo de Albuquerque, na baixada fluminense, em busca de atendimento médico para o menino, que não evacuava há dias. Na UPA de Marechal Hermes não havia pediatra, em vista do que pedia ajuda para retornar a Ricardo. Pensei em dizer-lhe: já foi na Clínica da Família, do outro lado da ferrovia? Só pensei. Abri a carteira, tinha apenas uma nota de 20 reais. E no fundo do bolso algumas moedas que não davam uma passagem de ônibus.

          Olhei então o menino. Não me pareceu doente: não apresentava sinais de dor ou choro, olhos muito vivos, rostinho de saúde, só faltava sorrir.

          Antes que pensasse em trocar o dinheiro na padaria, disse-me a mulher: 

          — Se me der os 20 reais, será muito abençoado.

          Dei.

          E afastei-me com a sensação de ter sido, mais uma vez, enganado. Mas serei abençoado, embora já me sinta abençoado pela vida que tive até aqui. Benção, porém, nunca é demais. Aleluia!