4 de dez. de 2009

Diálogo pré-natalino


"Celebrando o nascimento" - original pintado
com a boca, por Ruth Christensen
* Pintores com a Boca e os Pés*
- Vem aqui vô, quero te contar uma coisa.
E achegando-se mais ao avô, com ar de mistério e atitude de quem vai revelar um segredo ou dizer algo impróprio para crianças, a menina contou:
- Vô, sabia que o Papai Noel não existe? Quem dá os presentes é a mãe, o pai... Papai Noel é mentira. Foi a minha amiga Luciana que me contou. É tudo mentira!
O avô não teve saída, mas tentou alimentar a conversa:
- Papai Noel é uma lenda, mas você sabe o que é a festa de Natal?
- É uma festa de presentes! – disse a menina com firmeza.
- É a festa de aniversário de Jesus – contestou o avô.
A menina parecia não saber dessa história, e o avô aproveitou para contá-la, desviando dos presentes a atenção da neta:
- Há mais de dois mil anos nasceu um menino muito pobre, tão pobrezinho que nasceu num curral e seu bercinho foi uma manjedoura. Sabe o que é curral e manjedoura? Curral é onde os animais se abrigam e manjedoura é o cocho onde eles comem. Havia no curral uma vaca e um burro...
- Ah, agora eu lembro, já vi esse burrinho e essa vaca na... no presepe do chopen. E tinha o pai do menino e a mamãe do céu, e o Jesus nas palhinhas, e uns homes com roupas de príncipe...
"Além da estrela" - original pintado com a boca, por Triantafillos Iliadis
*Pintores com a Boca e os Pés*
- Esses homens eram os três Reis Magos: Gaspar, Melchior e Baltasar. Eles vieram guiados por uma estrela muito brilhante e deram presentes ao menino: ouro, incenso e mirra...
- Tá vendo vô, Natal é festa de presentes!
- Mas aqueles presentes... escuta aqui, lindinha do vovô, sabe o que é incenso e mirra? Incenso e mirra são resinas aromáticas para queimar, perfumar o ambiente, as casas - disse o avô, já arrependido de ter dado corda.
- E o menino gostou dos presentes?
- Como podia gostar, se era apenas um bebê? Mas o povo daquela época gostava muito de incensos.
- E de ouro também, né, vô? Eu já tenho um brinco de ouro e essas coisas... mirradas, eu não quero. Só se for um perfume Azarrô, igual ao da vovó.
- Mas como eu dizia...
- Já sei, vô, já sei da história. Vamos combinar: você me dá o perfume ou então a Barbie Fadinha. Tá bom, vô?
O avô optou pela boneca.

Dezembro de 2009

6 comentários:

Kika Honeycutt disse...

HAHAHAHAHAHA ADOREI!! Rolei de rir com a menininha! XD

Gledson Vinícius disse...

Sabe quando tudo perde o sentido?
Quando todas as verdades que vivemos são apenas mentiras?
Quando olhamos para o lado e vemos um mundo sem papai Noel?
Ai, quem dera todos tivessem avôs!

Joao Antonio Ventura disse...

Até num comentário que poderia ser trivial, você comete poesia! Salve, poeta e feliz Natal!

Jussara Neves Rezende disse...

João Antônio,
adorei encontrar este texto! Que fofo! E com o resgaste, mais que necessário, do verdadeiro sentido do Natal - breve estaremos de novo a falar dele - amei!
.....
Sobre o resultado do seu teste no minasdemim: eu tb não sabia que o resultado poderia apontar mais de um livro... mas depois de seu comentário outras pessoas disseram que aconteceu com elas.
Sempre tive minha mãe para comentar livros comigo, mas a vida em sociedade (que aliás, evito) quase sempre se mostrou incapaz de suprir minha necessidade de conversação. O que me salvou foi lecionar literatura... e hoje o minasdemim me salva... rs
Abraço!

Joao Antonio Ventura disse...

Jussara, o texto foi inspirado numa conversa da Yasmin comigo; o início do diálogo é real, portanto. Depois fui construindo as falas dentro da lógica do tema e das circunstâncias. E deu naquela ironia final. Achei legal, mas não tinha pensado nesse final, nem sabia como terminaria o texto. O próprio texto conduziu a pena, como diriam os antigos, agora os dedos no teclado. Mais tarde descobri na Internet que a ironia é uma técnica literária: a escrita tem me ensinado coisas que não tive oportunidade de aprender na escola. Aleluia!
Também quase não tenho com quem conversar. Comento alguma coisa com meus filhos, principalmente o Rafael, e, às vezes, com minha mulher, mas o papo rende pouco. Nessa questão, o Vô Tônico (nome também inspirado por Yasmin) e agora o Minas de mim, me sustentam. Abraços.

Luma Rosa disse...

Já manifestei o meu descontentamento com relação a essa bobagem de Papai Noel. Os pais gastam energia para convencer as crianças da sua existência e depois uma outra mentira para convencer da não existência. Crianças vivem infelizes porque nem sempre o velhinho pode trazer o presente; elas se sentem as piores porque fizeram tudo certo e não tiveram recompensa...É brincar demais com a infância. E seguem os pais como ovelhas do capitalismo! Como diria a minha mãe: É assim que não se educa filhos.
Vou dizer que sua neta se saiu muito bem. Tirou de letra a descoberta da mentira. Mas o que será que ela falou com seu travesseiro?
Beiijus,

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