19 de jan. de 2016

A viagem que começou há mais de trinta anos


Há trinta e três ou trinta e quatro anos, não sei precisar exatamente, passei por Paranaguá voltando de uma viagem que fiz ao Sul em companhia de Rita, minha irmã mais velha e duas sobrinhas; dirigia uma Brasília e subi a Serra do Mar, entre o litoral e Curitiba, por uma estrada encantadora, florzitas à beira, entre a exuberância da mata atlântica. A estrada, uma das antigas trilhas abertas pelos índios que iam do litoral ao planalto colher pinhões, melhorada posteriormente pelos colonizadores, creio que fosse a Estrada da Graciosa, naquela época ainda com trechos em paralelepípedos e outros em terra batida. Agora a terra batida virou asfalto, mas a graça da estrada perdura, não mais com singelas florzitas, mas touceiras e touceiras de hortências azuis à beira. Embora, a meu gosto, preferisse as florzitas.
Porém o que mais me encantou naquela travessia foi a vista de um trenzinho maria-fumaça parado numa estação em meio à floresta. Àquela época, de há muito trafegavam as locomotivas a diesel, mas ali estava uma a vapor, a maria-fumaça da minha infância. Não pude parar para apreciá-la melhor e bisbilhotar-lhe a presença longeva e sua vida pregressa naquele mundo verde. Mas não a esqueci, sua imagem permaneceu em mim.
De lá para cá tenho visto muitas fotos de litorinas ou trens de tração diesel atravessando pontes ou viadutos da estrada de ferro Paranaguá-Curitiba. E sempre com a imagem daquele trenzinho maria-fumaça na mente, alimentei o desejo de um dia viajar naqueles trilhos, não só pelo trem, mas pelo grandioso cenário em que ele trafega.


Passando pelos mananciais de Piraquara

Desejo saciado. O trem, com dezoito carros e duas locomotivas, partiu lentamente de Curitiba apitando nas passagens de nível, enquanto a guia turística resumia fatos da história da ferrovia e distribuía o kit lanche. Em Piraquara, antes da descida, uma parada técnica para dar passagem a um trem de carga que subia. Depois sucederam-se as emoções: o Túnel do Diabo com quinhentos metros de escuridão, a cascata Véu da Noiva, mais túneis, a arrojada ponte São João, sobre o rio de mesmo nome, e o ápice da viagem, o Viaduto do Carvalho contornando as escarpas do Desfiladeiro do Diabo, onde o trem parece flutuar no espaço; no alto, quase furando as nuvens, o Pico do Diabo que, segundo a guia turística, visto de certo ângulo semelha um cão sentado de costas. Cenário grandioso! Se alguns topônimos são do diabo, a paisagem é divina!


Rumo à descida

























Um dos muitos túneis. O braço em primeiro plano é do
 meu filho Daniel


























A exuberante mata atlântica


























Cascata Véu da Noiva 


























A arrojada ponte São João, principal dificuldade técnica
 na construção da ferrovia


























O rio São João

























Ao fundo, a ponte São João


Ao fundo, o início do trem






O Pico do Diabo, coroando o desfiladeiro do mesmo nome

E mais túneis, o Santuário do Cadeado e uma cruz à beira da ferrovia. Neste ponto, durante a revolta do Contestado, foram assassinados um tal Sr. Barão e seus asseclas, que iam presos de Paranaguá a Curitiba. Outra parada na estação do Parque Estadual de  Marumbi, única em operação no trajeto, onde alguns aventureiros saltam para acampar.



Estação do Parque Estadual de Marumbi

Em Morretes, fim da viagem de trem (os de carga seguem até Paranaguá), almoçamos o prato típico da região, o barreado. Até Yasmin gostou.
Pela tarde fizemos um breve tour pela cidade de Antonina, antiga cidade portuária, para a qual a ferrovia estendeu um ramal, ora desativado (e creio que de há muito). Vi a estação ainda preservada e a caixa d'água elevada, com mangueira para abastecer as locomotivas a vapor - verdadeiro museu a céu aberto. Compreendi que aquela maria-fumaça que vi há mais de trinta anos estaria parada em alguma estação deste ramal, àquela época teimosamente ainda operando com tecnologia a vapor. Voltamos de ônibus pela Estrada da Graciosa, que inicia justamente em Antonina.

Os amigos que tiveram paciência de me ler até aqui devem estar pensando: Que gosto esse do Vô Tônico! Trens, locomotivas, maria-fumaça, que coisa mais antiga e atrasada! Que gosto mais sem jeito!
Digo-vos, meus queridos, gosto de trens porque eles fazem parte da minha vida desde o início (vejam Cacos da Memória). E como diz o meu amigo virtual mineiro Sylvio Bazote: "Gosto de trem porque trem é um trem bão, uai!".

4 comentários:

chica disse...

Que lindo te ler! Fotos lindas e também gosto de trens! abraços, tudo de bom,chica

Beatriz Paulistana disse...

Boa noite amigo João Ventura!!!
Que delícia de passeio, fotos maravilhosas e com certeza muitos outros momentos ficarão guardados em seu coração e na sua mente.
Meu esposo tem vontade de fazer essa viagem, de Minas para Espírito Santo. Dizem que é maravilhoso. Quem sabe, esse ano não nos animamos...rsrsrs Apesar que não sei se no Espírito Santo as praias estarão liberadas para banho. Vamos ver até agosto, pois será as férias de esposo.
Feliz por ver que realizou seu sonho! E que venham mais sonhos...
Deus nos abençoe sempre!!!
Abraços da Bia!!!

Sylvio Mário Bazote disse...

Um texto delicioso de ler, abrilhantado pelas belas fotos!
Tudo de bom, temperado com bastante refinamento.
Agradeço pela lembrança da minha pessoa.
Um abraço.

Jussara Neves Rezende disse...

Tem razão você e tem razão o Sylvio, rs.
Seu texto é sempre delicioso de ler!
Seu sumiço significa outra obra a caminho?
Abraço!

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