18 de jan. de 2010

Cacos da Memória – o livro




Venturas e desventuras de uma família de imigrantes – texto fragmentado em episódios curtos e de fácil leitura, não obstante interligados pelo histórico familiar. O dia-a-dia numa aldeia portuguesa (Palhal - Ribeira de Fráguas); a escassez de empregos e as lavouras de subsistência; emigração; histórias da tradição oral, festas religiosas e eventos pitorescos; a vizinhança; trapalhadas e brincadeiras da infância e as fantasias e descobertas de um menino e o seu desempenho escolar. O Brasil aos olhos dos que ficam. O sonho nunca alcançado. O retorno.


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Divulgação de "Cacos da Memória" no evento cultural Literatura de Segunda, promovido pela ONG
Laboratório Cultural
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Depoimentos
Caro Ventura. Li o seu livro... A questão de não decorar a tabuada é insignificante. Até hoje ainda tem uns professores que reprimem os alunos por causa disso. Felizmente não fui vítima da palmatória. Gostei da estória do gato caçador. Sua mãe defendendo o gato foi muito legal...
Lourival Gomes de Oliveira (VAVÁ) - professor e jornalista
... estou lendo o seu livro e é fascinante...
Daiane Brasil - universitária e coordenadora da ONG Laboratório Cultural
... Já dei uma espiadinha no seu blog e, vendo a foto de "Cacos da Memória" me lembrei de quanto foi prazeroso lê-lo. Todos aqui em casa leram o livro e sempre comentávamos as histórias depois, pedindo à minha avó que contasse mais alguns detalhes. Rimos, choramos, enfim, nos comovemos muito.
Luciana Carvalho - arquiteta e sobrinha linda
Muito obrigada uma vez mais pela oferta do livro. Para já está a ser uma grande aventura a leitura. Muitos parabéns. Seguem hoje duas publicações de minha autoria...
Nélia Oliveira - historiadora (Branca/Portugal)
Olá bom dia, eu sou a filha mais nova da Guilhermina Nunes. Eu tive o prazer de ler o livro que o senhor escreveu, gostei muito, pois tem lá partes da sua infância que tb são muito parecidas com a minha. O meu muito obrigada pelo seu maravilhoso livro... Beijinhos. Tita.
Tita Martins - (Portugal/Alemanha)
"...Não imaginas a ansiedade com que esperei a recepção do teu livro! Recebi-o só anteontem e "devorei-o", em pouco tempo! Contribuiste para que me tornasse menino outra vez! Lembraste-me algumas peripécias que os meus neurónios já haviam apagado. Mais uma vez te estou reconhcidamente agradecido..."
Ismael Coutinho - bancário e amigo de infância, personagem de Cacos da Memória- Aveiro/Portugal
"Hoje eu peguei no teu livro, livro lindo linda história, e resolvi emprestar..."
Ivon Carlos Bernardo - marceneiro e poeta - Rio de Janeiro

(...) "Estou pasmado com a capacidade de memorização deste homem, é claramente um dom que nos une, a memorização. (...) Cerca de meio século depois de o autor João Ventura ter vivido entre as freguesias da Branca e Ribeira de Fráguas, os registros que estão no livro são incrivelmente precisos, e estou à vontade para afirmar isto, pois como todos sabem, tenho duas monografias publicadas sobre lugares da freguesia, além de uma amiga comum, que escreveu um trabalho sobre a freguesia da Branca.
Com este fantástico título, "Cacos da Memória", este livro deveria fazer parte da atividade pedagógica do Agrupamento de Escolas da Branca, não que eu seja saudosista, mas os jovens ribeirofraguenses e branquenses iriam aprender bastante sobre as vivências de outrora.
A vantagem deste trabalho literário é que está escrito na primeira pessoa, ou seja é um "diário de bordo" entre dois continentes. Como homem profundamente ligado à etnografia, sociologia e antropologia, cada vez mais (...) avanço com a ideia de que o passado não é vergonha, mas orgulho.
Parabéns João. Abraço.

(...) Naturalmente, já li o seu livro. O português é fantástico. Sei que os brasileiros cultos (...) escrevem quase de igual modo ao português Pt/Pt...

Nuno Jesus - autor de "Telhadela - Perspectiva Histórica e Etnográfica" e coautor com Nélia Oliveira de "Ribeira de Fráguas - a sua história" - Portugal

Clic no link abaixo e leia uma resenha de Cacos da memória, escrita por Jussara Neves Rezende, Doutora em Literaturas de Língua Portuguesa e dona do blog Minas de mim. Leia também mais comentários sobre a obra.
http://minasdemim.blogspot.com.br/2013/05/cacos-da-memoria-de-joao-antonio.html

"...O rigor sociológico, diria, etnográfico, estampado neste livro é deveras incomum, particularmente para quem nunca mais visitou a aldeia na qual passou parte da sua mocidade e que, nota-se na fluidez da leitura, o marcou de forma indelével"
(Excerto do comentário de Nuno Jesus em Minas de mim)

Estou na faculdade estudando um pouco sobre metodologia científica, e a professora fala muito sobre o rigor sociológico e etnografia tb. Achei bacana esse comentário de um especialista sobre seu livro. Vou relê-lo agora nessa ótica, para tentar pegar essas nuanças que passaram-me despercebidas.

Rafael Coelho Ventura - biólogo, meu filho

Bom dia.
Passei os meus tempos livres destes últimos dias a ler o seu blog, adorei as suas histórias de infância, são viciantes, fiquei ainda com mais vontade de ler o livro. Se não lhe der muito trabalho gostava de saber quanto custaria enviar o livro para Portugal com portes, caso esteja dentro das minhas possibilidades combinamos a transferência e envio.
Cumprimentos,

Daniela Lapas - Aveiro, Portugal

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A quem interessar: ainda existem exemplares disponíveis
Se desejar, envie e-mail para antoniorodrigues25@superig.com.br juntando comprovante de depósito bancário no Banco do Brasil, ag. 3992-6, conta 5327-9. O valor total é de R$ 20,00 (15,00 + 5,00 para correio no Brasil. Para o exterior fica bem mais caro). Eu lhe enviarei o livro.

5 de jan. de 2010

A menina do guarda-chuva e os meus sapatos de verniz

Naqueles poucos dias que estive em Cunha, passei-os na casa de meu amigo Vavá, a quem visitava após mais de vinte anos sem contato. Levei um de meus filhos, Daniel, e ficamos confortavelmente instalados em suíte construída abaixo do pavimento principal da casa, no "porão", como dizia o meu amigo. Em frente havia girassóis e uma piscina, da qual não pude usufruir em virtude do clima de inverno. Bastaram-me os girassóis.
Levantava cedo e, com todos ainda recolhidos e ausência de café à mesa, saía andando pelos arredores, exercitando os músculos e aproveitando o ar fresco da manhã.
No dia em que retornaríamos ao Rio de Janeiro, um domingo, não foi diferente. Subi pela rua até onde terminava o asfalto e parei no cruzamento com a rua de barro, sem vontade de prosseguir: fazia frio, garoava, e o risco de escorregar no barro era grande, já que o relevo dali em diante apresentava aclives e declives acentuados. Um velhinho passou por mim expelindo vapores ao falar:
- Bons dias!
- Bom dia! – respondi.
As pessoas do interior, mormente as mais velhas, cumprimentam até quem nunca viram. Já nas cidades grandes...
Mas eu fiquei ali, encolhido no meu casaco de veludo, último remanescente de um passado em que frequentei a cidade e outras do Vale do Paraíba. Acendi um cigarro e olhei ao redor. Em frente, o caminho de barro continuava até subir um pequeno morro, entre casas modestíssimas e esparsas. Nada que se comparasse às favelas do Rio, porém ali moravam, com certeza, pessoas de precária condição econômica. À esquerda, um pequeno lago, assoreado e sujo, produto menos de nascente potável que de águas pluviais e talvez esgoto. Uma paisagem nada admirável.
Apaisagem nada admirável 5 anos depois: as ruas estão asfaltadas e o lago desassoreado e limpo. Ao fundo, o casario menos esparso e de melhor aspecto.

Olhei mais uma vez o sopé daquele morro. Uma figura, de guarda-chuva, caminhava em minha direção. Parecia uma menina. E muito bem trajada, o que me pareceu impróprio, vinda daquele lugar tão singelo. Caminhava com determinação e os seus sapatos, pisando o barro batido – úmido, mas firme – soavam nos meus ouvidos. Em dado momento, a menina (agora já era perceptível) diminuiu o passo, perdeu a determinação, parecendo-me indecisa ou receosa. Pensei: "já reparou em mim, reconheceu-me estranho ao lugar e intimidou-se com minha presença em seu caminho, já que sou a única pessoa na rua, além dela mesma". Resolvi afastar-me então, deixando o caminho à menina. Entrei na casa de meu amigo e postei-me na varanda, olhando a rua, curioso com aquela garota que descera do morro.

Os sapatos da menina agora soavam mais forte. Ela parou a conversar rapidamente com a vizinha e prosseguiu com o seu toc toc no asfalto. Passou.


Não tinha mais de onze, doze anos. O vestido preto, de tecido fino e bom caimento, um pouco acima dos joelhos, combinava com o guarda-chuva e os sapatos também pretos. Brancas, uma faixa prendendo os cabelos fartos, ligeiramente crespos e aloirados, e as meias de renda, compridas. Passos firmes e atitude de modelo desfilando moda na passarela. E ciente de sua elegância.
Do conjunto harmonioso destacavam-se os sapatos, com fivela e saltinho, estalando de novos e brilhando! Destacavam-se menos pelo que eram, mas pelo que diziam. Sim, os sapatos falavam, não com o asfalto, mas às pessoas: anunciavam a passagem da menina. Pareciam dizer: "olhem como está linda e elegante, olhem!".
Ao passar, a menina do guarda-chuva olhou discretamente para mim, e se foi
Seus sapatos falaram-me dela e de muitas coisas mais, de outros sapatos já esquecidos na minha infância longínqua...
Naquele tempo, eu queria porque queria sapatos de homem, não sandálias de menino. Já usava calças compridas, mas faltavam os sapatos. Mamãe comprou-me um par, a serem usados na minha 1ª comunhão. Sapatos de verniz, reluzentes! Não eram de cromo ou qualquer outro material nobre, mas tinham o acabamento "vitrificado", simulando verniz. Quando envelheceram, o "verniz" desmanchou-se em craquelê, pior que rugas em rosto de ancião, mas enquanto novos eram de causar inveja. Lindos!
Eu não podia esperar a 1ª comunhão. Sendo domingo, pedi à mamãe que me deixasse ir à missa em Ribeira de Fráguas, calçando os sapatos novos. Iria com a minha irmã Carmem. Autorizado, comecei a produzir-me: banho de bacia (resumia-se a lavar o rosto, orelhas e pescoço, braços e pernas); depois vestir calça, camisa e calçar meias e sapatos... Ah, os sapatos! Que complicado, eu mal sabia fazer o laço nos cadarços! Em vista de tudo isso, demorei muito e minha irmã não quis esperar-me, pois havia combinado ir com as amigas. Pois eu iria sozinho à missa, ainda que chegasse atrasado! Sozinho não: eu e os meus sapatos!
Chegamos já nos ritos finais da missa, mas valeu bem a pena: durante o longo trajeto e ali, no adro da igreja, tive a ilusão de que todos admiravam os meus sapatos de verniz!
Doce ilusão!...
Mas o que eu não sabia é que sapatos novos costumam magoar os pés e os meus ficaram magoadinhos: voltei para casa mancando!
Embora os sapatos da menina do guarda-chuva não me tenham dito aonde iam, eu não tinha mais dúvidas: dirigiam-se a um culto dominical. Mas pouco importa aonde ia a menina ou fazer o quê. Sua intenção, verdadeiramente, foi mostrar a toda gente os seus sapatos novos, seu vestido, sua elegância e a sua beleza pré-adolescente!
Aromas do café da manhã inundaram minhas narinas. Entrei.

Transcrito do livro "Cacos da Memória"
Autor: João Antonio Rodrigues Ventura
antoniorodrigues25@superig.com.br

4 de dez. de 2009

Diálogo pré-natalino


"Celebrando o nascimento" - original pintado
com a boca, por Ruth Christensen
* Pintores com a Boca e os Pés*
- Vem aqui vô, quero te contar uma coisa.
E achegando-se mais ao avô, com ar de mistério e atitude de quem vai revelar um segredo ou dizer algo impróprio para crianças, a menina contou:
- Vô, sabia que o Papai Noel não existe? Quem dá os presentes é a mãe, o pai... Papai Noel é mentira. Foi a minha amiga Luciana que me contou. É tudo mentira!
O avô não teve saída, mas tentou alimentar a conversa:
- Papai Noel é uma lenda, mas você sabe o que é a festa de Natal?
- É uma festa de presentes! – disse a menina com firmeza.
- É a festa de aniversário de Jesus – contestou o avô.
A menina parecia não saber dessa história, e o avô aproveitou para contá-la, desviando dos presentes a atenção da neta:
- Há mais de dois mil anos nasceu um menino muito pobre, tão pobrezinho que nasceu num curral e seu bercinho foi uma manjedoura. Sabe o que é curral e manjedoura? Curral é onde os animais se abrigam e manjedoura é o cocho onde eles comem. Havia no curral uma vaca e um burro...
- Ah, agora eu lembro, já vi esse burrinho e essa vaca na... no presepe do chopen. E tinha o pai do menino e a mamãe do céu, e o Jesus nas palhinhas, e uns homes com roupas de príncipe...
"Além da estrela" - original pintado com a boca, por Triantafillos Iliadis
*Pintores com a Boca e os Pés*
- Esses homens eram os três Reis Magos: Gaspar, Melchior e Baltasar. Eles vieram guiados por uma estrela muito brilhante e deram presentes ao menino: ouro, incenso e mirra...
- Tá vendo vô, Natal é festa de presentes!
- Mas aqueles presentes... escuta aqui, lindinha do vovô, sabe o que é incenso e mirra? Incenso e mirra são resinas aromáticas para queimar, perfumar o ambiente, as casas - disse o avô, já arrependido de ter dado corda.
- E o menino gostou dos presentes?
- Como podia gostar, se era apenas um bebê? Mas o povo daquela época gostava muito de incensos.
- E de ouro também, né, vô? Eu já tenho um brinco de ouro e essas coisas... mirradas, eu não quero. Só se for um perfume Azarrô, igual ao da vovó.
- Mas como eu dizia...
- Já sei, vô, já sei da história. Vamos combinar: você me dá o perfume ou então a Barbie Fadinha. Tá bom, vô?
O avô optou pela boneca.

Dezembro de 2009

2 de dez. de 2009

A lagarta que não virou borboleta




Havia no quintal dos fundos da casa um pé de abacate que, apesar de jovem, projetava uma nesga de sombra suficiente para mitigar o calor a quem nela se refugiasse. Era aí que eu costumava ler o jornal de domingo. Lia recostado em confortável poltrona, enquanto uma brisa suave, vez por outra, vinha farfalhar nas folhas do jornal e nas do abacateiro, aumentando o meu refrigério e trazendo aromas do almoço em preparo. Só as notícias do jornal incomodavam.
Mas a concentração na leitura se desfez quando um barulhinho de mastigação, persistente e guloso, fez-se ouvir acima de mim. Examinei a copa do abacateiro: uma lagarta verde devorava uma folha, depois outra e outra... Como são ligeiras pra comer!
Voltei ao jornal sob o ritmo contínuo e tedioso das mandíbulas da lagarta, porém concentrar-me na leitura já não podia: aquele ruído penetrava-me os ouvidos e me dispersava o pensamento.
Até que o ruído cessou: a lagarta estava no chão.
O que teria acontecido? Que evento ou circunstância interrompera a comilança da lagarta? Um ataque ineficaz de um predador? Uma lufada mais forte da brisa, sacudindo o restaurante da bichinha? Ou a lagarta simplesmente escorregou da folha, com todos aqueles pezinhos? Nesse caso foi uma escorregadela múltipla! Puro azar.
Mas que importa a causa, se a lagarta estava no chão?
Desviei do jornal e fiquei observando o infortúnio da lagarta, em suas tentativas de retornar ao abacateiro.
Havia um pedaço de muro dividindo o quintal, mas aberto onde eu me encontrava; deste modo acessava-se a outra parte do terreno. O abacateiro crescia ali, a cerca de meio metro e mais ou menos parelho ao pilar de concreto que rematava o término do muro. A lagarta caiu perto desse pilar.
Mas não se achou perdida: o instinto lhe dizia que as deliciosas folhinhas estavam acima; era necessário subir, portanto. Rodou a esmo até dar de cara com o pilar de concreto. Se era para subir, subiu. Terminada a vertical, emendou pela horizontal do muro – talvez fosse um galho do abacateiro. Não achou as folhinhas e ao chegar à parte do muro batida pelo sol, retornou. Desceu ao chão. Nova procura pela verticalidade redentora e de novo o pilar à sua frente. Subir, subir, lhe dizia o instinto. Subia, andava pela horizontal do muro, voltava.
Evidentemente que suas vistas não eram grande coisa, o abacateiro estava a meio metro, mas a pobre não o enxergava, só topando com o pilar de concreto. Nem a textura, nem o aroma, nem a temperatura da superfície de concreto combinavam com o que sabia de árvores, galhos e folhas, mas o pilar era a única verticalidade que encontrava, e sabia que tinha de subir...
De visão curta e prisioneira do instinto, a lagarta ficou no sobe-e-desce, no vai-e-volta, indefinidamente, incapaz de variar em suas tentativas.
Adeus lagarta, adeus crisálida, adeus borboleta!
Assim é a vida: nem todas as lagartas viram borboletas, talvez só a minoria o consiga. E a maioria de nós não somos também lagartas, com um sonho lindo de virar borboletas?
Há de haver muito esforço, muito trabalho (e como se esforçam as lagartas!); há de haver talento e oportunidade, e muita sorte, claro. Não há fada madrinha nem varinha de condão para fazer virar.
Virar borboleta é apenas uma possibilidade imponderável. Vivamos pois nossa vidinha de lagartas, honestamente comendo folhas e desejando a beleza das borboletas.
Mas, se cairmos da folha?
Se cairmos da folha temos vantagem sobre as lagartas: temos liberdade e discernimento para variar os rumos, escolher caminhos, perseverar...
Outubro de 2009