A GREVE
Pá no cavaco, cavaco na vagonete;
empurra a vagonete, despeja na boca da caldeira, retorna. Mais pá no cavaco,
cavaco na vagonete, empurra... O trabalho era árduo: encher de cavacos de
pinheiro ou eucalipto as grandes caldeiras, nas quais se preparava a pasta de
celulose, matéria-prima do papel. Cada turno tinha por tarefa encher uma
caldeira, custasse o que custasse. Não se podia perder tempo, portanto. No
inverno era ainda pior: o frio enregelava o nariz, as orelhas, os dedos... E se
ao menos o salário compensasse...
Os operários já pensavam nisso fazia
tempo: muito trabalho e pouco salário!
Pensavam, mas raramente comentavam entre si – o capataz estava sempre de
olho! E os empregos eram escassos, carecia preservá-los.
De volta para casa, longe do capataz,
um homem falou para outro:
-
Ó pá, não achas que estamos trabalhando muito e
recebendo pouco?
-
É evidente, mas que fazer se o gringo não dá aumento?
Se ao menos o capataz...
- Que capataz, pá! O gajo nunca vai nos ajudar. Não quer se indispor com o
patrão, receia perder o posto.
- Então só nos resta esperar a boa vontade do gringo –
conformou-se o outro.
-
Se depender de boa vontade, só vamos ter aumento quando as galinhas
criarem dentes – disse um terceiro trabalhador. Precisamos fazer alguma coisa,
carago! (1)
-
Uma greve – sugeriu, com voz baixa, o quarto homem do grupo.
Sim, uma greve, por que não? E os
quatro foram conversando sobre essa possibilidade enquanto caminhavam pela
estrada que separa a fábrica da aldeia. Outros trabalhadores se interessaram
pelo assunto e aderiram ao grupo. Quando chegaram à loja do Grandela já estava
tudo decidido: iriam deflagrar uma greve para reivindicar aumento salarial.
Selaram o acordo com um quarteirão (2) de vinho para cada um. Saíram depois,
cada qual encarregado de avisar outros companheiros que não participaram do
concerto.
Domingo, início de turno. Só a
cavaqueira continuava zunindo, mas sem que a abastecessem com toras de
eucalipto, parara de cuspir cavaco. As pás num canto, as vagonetes paradas, os
operários de braços cruzados...
-
Mexam-se, homens! O turno já começou – dizia o capataz, sem entender o
que acontecia.
-
Estamos em greve – disse o que parecia liderar o grupo. Sem aumento não
trabalhamos!
-
Aumento? Estão doidos? Que posso eu fazer, se sou apenas...
-
Queremos falar com o mister, nos entendemos com ele...
- Pois vão falar, vão falar, eu cá não posso nada! –
encerrou o capataz, irritado.
O que liderava tirou uma comissão
para negociar com o inglês administrador geral da fábrica:
- José, Manoel, também tu Benjamin, vamos ao gringo.
O inglês administrador residia nos
arredores da fábrica, em casa grande e confortável, em meio a pinheiros e
eucaliptos. Foi avisado da presença dos trabalhadores. Não tardou em
atendê-los, porquanto lhe pareceu tratar-se de assunto sério, já que não era
comum ser procurado por operários:
- Que trabalhadores querrer? – perguntou o administrador,
após cumprimentá-los.
-
Estamos em greve. Só voltamos ao trabalho com aumento de salário –
respondeu o líder dos grevistas.
- Grreve? Aumenta? Quanto
trabalhadores querrer de aumenta? – inquiriu o inglês, preocupado e coçando o
cavanhaque.
- Um tostão a mais por hora de
trabalho. Nem mais nem menos – disse o líder com firmeza.
O inglês
desanuviou e não pode conter uma gargalhada. E, recobrando a compostura:
- Uma toston? Trabalhadores parrar
trabalha por uma toston? Orra bolas! Eu dar toston de aumenta, eu dar! Ao
trabalha, homens, ao trabalha, ao trabalha!
Depois destes fatos o meu futuro pai
decidiu tentar a sorte no Brasil. Lá, com certeza, havia emprego à farta para
quem se dispusesse ao trabalho. E vontade de trabalhar não lhe faltava...
(1)
carago – alcunha pejorativa dada aos galegos; espanhol.
Era usada sem qualquer sentido referente a galegos ou espanhóis; expressava
irritação, raiva, contrariedade, espanto, etc.
(2)
quarteirão – ¼ do quartilho, antiga medida para
líquidos, equivalente a 665 ml.
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