19 de jan. de 2014

Onde o vento faz a volta e mais além -5

A visagem Magnólia

A casa da fazenda tem apenas um banheiro, o que é plenamente  satisfatório para a família que ali vive. Porém em dias de festa como estes, com a chegada de mais parentela e convidados, o dito quarto de banho é pouco para a demanda. Na hora do banho, e também de outras necessidades, carece ficar à espreita, aguardando uma oportunidade. Antes que eu me adaptasse à circunstância e descobrisse um cantinho atrás do chiqueiro dos porcos, ficava, como os demais, de olho na porta do banheiro sempre que necessitava aliviar uma urgência sentida. Certa feita, ao anoitecer, vi a porta escancarada, entrei apressadamente, tranquei a porta e iniciei o alívio. Então me pareceu que havia alguém no box do chuveiro: eu via movimento de sombras como se alguém estivesse se enxugando ou vestindo a roupa. Olhei para cima, desconfiado que alguma mariposa esvoaçando em torno da lâmpada estivesse projetando aquelas sombras. Nada de insetos. Silêncio total. Mas havia alguém ali dentro. Que culpa tinha eu? A porta estava escancarada!
O jeito foi inclinar-me um pouco mais sobre o vaso e girar o corpo à esquerda, no  intuito de vedar à visão de outrem a imagem do instrumento em operação. Vá que fosse uma mulher ou criança!
Quem era eu não vi: abriu a porta do box, passou por trás de mim sem tossir nem mugir, destrancou a porta do banheiro e saiu, encostando-a em seguida.
Mais tarde, deitado na barraca, contei o acontecido à Rita; não sei se era homem ou mulher; criança não era – não seria tão discreta.

Eu e Neguinho, Francisquinho à esquerda
Pela manhã, à sombra do tamarindeiro, comentamos o caso. Não sei se era homem ou mulher, dizia eu, quando Neguinho atalhou, dizendo:
- Foi a visage.
- Como assim, a “visage”? Um fantasma?
- É moço. Muitas pessoas já viram, seu Zé também já viu. Era uma velha que morou na fazenda e morreu há mais de oitenta anos. Foi ao banheiro e estatelou-se no chão. Finou-se…
- E qual o nome da velha?
- Magnólia…
Neguinho é genro do José Barbeiro, eletricista, morador de Redenção e também trabalhador compulsivo. E nas horas vagas sempre alegre e divertido. Mas falou sério sobre a visagem.
- Com que então eu vim de longe a esta terra para ser assediado pela visagem da velha Magnólia? Mas rapaz!

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Me faça esse carinho

6 comentários:

Jussara Neves Rezende disse...

Que ótimo texto! Muito bem escrito... e com esse final surpreendente! Sério que o Neguinho falou sério mesmo? rs

Joao Antonio Ventura disse...

Neguinho é homem sério e trabalhador, mas muito brincalhão e alegre. Talvez seja um exemplar do tal brasileiro cordial e alegre que os sociólogos e antropólogos comentam. Quanto à visagem... Descobrimos depois que foi o próprio José Barbeiro, preocupado com a demanda sobre o único banheiro; foi tomar banho e deixou a porta escancarada para que outros pudessem usar o sanitário...

Denise Kirsch Oliveda disse...

Olá João Antonio, venho lá do blog da querida Jussara, o Minas de Mim. Na verdade passei para espiar, mas já deu uma vontade tremenda de ficar. Adorei a história, me fez lembrar de algumas férias que passava no interior, em casa de alguns parentes de minha mãe. Também havia um só banheiro, mas não precisávamos deixar a porta aberta. Mas histórias de alma penada, isso sim tinha, e muita!
Abraço,
Denise - dojeitode.blogspot.com

Regina disse...

Adorei a narrativa, e não esperava o final assim.

Regina Célia

Denise Kirsch Oliveda disse...

Obrigada pela sua visita. Fico muito feliz e honrada que tenhas gostado.
Abraço,
Denise - dojeitode.blogspot.com

Beatriz Paulistana disse...

Boa noite João Antônio!!!
Vim conhecer seu blog e ler esse texto, através da sugestão da amiga Jussara.
Muito interessante a história, não duvido de mais nada, pois já ocorreu-me duas vezes algo inexplicável...
Foi bom te conhecer...
Feliz e Abençoado Domingo!!!
Abraços da Bia!!!

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